Há dias ensaio os passos para entrar de novo nesta Sala de Leitura, já entregue às traças e a outros insetos apreciadores de livros, sem mencionar as aranhas que já teceram várias de suas teias e esperam pacientemente suas presas incautas.
Livros que li desde a última passagem por este espaço? Desde o último registro, em junho? Vejam só, junho! Parece-lhes pouco? A mim parece uma eternidade. Apesar de não ter estabelecido nenhuma periodicidade para as postagens neste blogue, imaginava que o prazer de falar de livros, de leituras, me faria frequentar mais amiúde este lugar.
De qualquer sorte, eis-me aqui mais uma vez. E não vou falar do que li durante esta longa ausência, ou do que estou pensando em ler. Nem do que, de fato, leio presentemente. Desta vez vou apenas lhes presentear com um excerto de Guimarães Rosa, a respeito do poder. Sim, a respeito do poder. O poder pessoal, do qual abrimos mão quando nos entregamos às emoções dos sentidos sem atentar para aquilo que queremos, de verdade. Sem prestar atenção ao que fazemos com nós mesmos. O texto é do Grande Sertão: Veredas e trata de um momento de reflexão de Riobaldo, ao narrar sua estória a seu interlocutor. Assim:
De que de uma feita, por me valer, eu entendi o casco de uma coisa. Que, quando eu estava assim, cada de-manhã, com raiva de uma pessoa, bastava eu mudar querendo pensar em outra, para passar a ter raiva dessa outra, também, igualzinho, soflagrante. E todas as pessoas, seguidas, que meu pensamento ia pegando, eu ia sentindo ódio delas, uma por uma, do mesmo jeito, ainda que fossem muito mais minhas amigas e eu em outras horas delas nunca tivesse tido quizília nem queixa. Mas o sarro do pensamento alterava as lembranças, e eu ficava achando que, o que um dia tivessem falado, seria por me ofender, e punha significado de culpa em todas as conversas e ações. O senhor me crê? E foi então que eu acertei com a verdade fiel: que aquela raiva estava em mim, produzida, era minha sem outro dono, como coisa solta e cega. As pessoas não tinham culpa de naquela hora eu estar passeando pensar neles. Hoje, que enfim eu medito mais nessa agenciação encoberta da vida, fico me indagando: será que é a mesma coisa com a bebedice de amor? Toleima. ... na ocasião, me lembrei dum conselho que Zé Bebelo, na Nhanva, um dia me tinha dado. Que era: que a gente carece de fingir às vezes que raiva tem, mas raiva mesma nunca se deve de tolerar de ter. Porque, quando se curte raiva de alguém, é a mesma coisa que se autorizar que essa própria pessoa passe durante o tempo governando a ideia e o sentir da gente; o que isso era falta de soberania, e farta bobice, e fato é. (...) Entendi. Cumpri. Digo: reniti, fazendo finca-pé, em forças para não esparramar raivas...
terça-feira, 29 de setembro de 2009
segunda-feira, 29 de junho de 2009
Mais algumas leituras
E olha o fim de junho aí. Já nem falo mais no livro do Hatoum. Emperrou. Estancou. Alguém se habilita a informar o que leu nestes últimos trinta dias? Desconfio que esta Sala de Leitura tem estado vazia. Ou porque já não encontramos quem goste de ler, ou porque os poucos que leem já não querem dividir os prazeres a que foram alçados a partir do que leram. Querem manter o segredo de sua relação com o autor ou autora com quem viajaram. Ou viajam ainda.
Não há de ser nada. Aqui, com relação a isso, eu não tenho nada a esconder. Li muito desde a última postagens. Coisas que folheei aqui e ali. Entre elas, um livro de Irvin D. Yalom, o autor de Quando Nietzsche Chorou, chamado Os desafios da terapia. Muito interessante, tanto para pacientes e interessados, quanto para quem se dedica ao trabalho com pessoas, buscando lhes ser de auxílio na auto-descoberta e, quando é o caso, na cura dos males que nos afligem a todos algumas vezes.
Também li alguns contos de Guimarães Rosa. Uns com um grupo de leitura que se reúne às quartas no IEB - Instituto de Estudos Brasileiros, na USP, aberto a interessados. Outros, um em particular, Páramo, por indicação de uma amiga que participa deste grupo. Vale a pena citar o que Rosa diz já no início do conto:
Sei, irmãos, que todos já existimos, antes, neste ou em diferentes lugares, e que o que cumprimos agora, entre o primeiro choro e o último suspiro, não seria mais que o equivalente de um dia comum, senão que ainda menos, ponto e instante efêmeros na cadeia movente: todo homem ressuscita ao primeiro dia.
E um pouco adiante: Só este é o grande suplício: ainda não ser.
Li ainda dois livros de Mia Couto, grande escritor moçambicano de língua portuguesa. O primeiro, um livro de contos intitulado O fio das missangas, traz verdadeiros achados. Tanto no que se refere à linguagem, quanto no que se refere à profundidade das ideias que oferece. Alguns exemplos soltos:
"falar é fácil. Custa é aprender a calar."
"Minha sabedoria é ignorar as minhas originais certezas. O que interessa não é a língua materna, mas aquela que falamos mesmo antes de nascer."
"Uns aprendem a andar. Outros aprendem a cair. Conforme o chão de um é feito para o futuro e o de outro é rabiscado para sobrevivência."
"... criancice é como o amor, não se desempenha sozinha. Faltava aos pais serem filhos, juntarem-se miúdos com o miúdo. Faltava aceitarem despir a idade, desobedecer ao tempo, esquivar-se do corpo e do juízo. Esse é o milagre que um filho oferece - nascermos em outras vidas."
O segundo, um romance que leva o título Terra Sonâmbula e trata da guerra anticolonial e civil com que conviveu o povo moçambicano por quase trinta anos. Talvez o livro mais importante da carreira de Mia Couto. O mais forte e mais pungente ao relatar, de acordo com a primeira orelha do livro, com "um meticuloso trabalho de lapidação poética ... as mitologias tribais e os casos que circulam de boca em boca pelos meandros da cultura oral africana, bastião de resistência num país como Moçambique..." Imperdível!
E, para não esquecer e não deixar passar em branco, li também um livro de memórias de uma escritora chamada A. M. Homes, cujo título é A encomenda. A autora, filha adotada ainda bebê, narra sua intensa busca por informações acerca de sua família biológica [há também a busca de dados da família que a adotou], ao receber a informação reveladora de quem eram seus pais. Um relato extremamente honesto e claro, e muito bem escrito, pontuado pelos conflito psicológico e pelos conflitos pessoais e de relacionamento familiar que a descoberta gerou. Tanto com a família que recebeu "a encomenda" quanto com as pessoas que deveriam ter sido sua família ao nascer.
Por fim, quero dar as boas vindas a nossa nova seguidora, a Silvina 0707, apesar de achar que ela entrou nesta sala por engano, em busca de milagres. Quem sabe alguma de nossas leituras pode lhe dar o que ela busca. Bem vinda, Silvina. Espero que você curta. E que contribua, pois não?
Não há de ser nada. Aqui, com relação a isso, eu não tenho nada a esconder. Li muito desde a última postagens. Coisas que folheei aqui e ali. Entre elas, um livro de Irvin D. Yalom, o autor de Quando Nietzsche Chorou, chamado Os desafios da terapia. Muito interessante, tanto para pacientes e interessados, quanto para quem se dedica ao trabalho com pessoas, buscando lhes ser de auxílio na auto-descoberta e, quando é o caso, na cura dos males que nos afligem a todos algumas vezes.
Também li alguns contos de Guimarães Rosa. Uns com um grupo de leitura que se reúne às quartas no IEB - Instituto de Estudos Brasileiros, na USP, aberto a interessados. Outros, um em particular, Páramo, por indicação de uma amiga que participa deste grupo. Vale a pena citar o que Rosa diz já no início do conto:
Sei, irmãos, que todos já existimos, antes, neste ou em diferentes lugares, e que o que cumprimos agora, entre o primeiro choro e o último suspiro, não seria mais que o equivalente de um dia comum, senão que ainda menos, ponto e instante efêmeros na cadeia movente: todo homem ressuscita ao primeiro dia.
E um pouco adiante: Só este é o grande suplício: ainda não ser.
Li ainda dois livros de Mia Couto, grande escritor moçambicano de língua portuguesa. O primeiro, um livro de contos intitulado O fio das missangas, traz verdadeiros achados. Tanto no que se refere à linguagem, quanto no que se refere à profundidade das ideias que oferece. Alguns exemplos soltos:
"falar é fácil. Custa é aprender a calar."
"Minha sabedoria é ignorar as minhas originais certezas. O que interessa não é a língua materna, mas aquela que falamos mesmo antes de nascer."
"Uns aprendem a andar. Outros aprendem a cair. Conforme o chão de um é feito para o futuro e o de outro é rabiscado para sobrevivência."
"... criancice é como o amor, não se desempenha sozinha. Faltava aos pais serem filhos, juntarem-se miúdos com o miúdo. Faltava aceitarem despir a idade, desobedecer ao tempo, esquivar-se do corpo e do juízo. Esse é o milagre que um filho oferece - nascermos em outras vidas."
O segundo, um romance que leva o título Terra Sonâmbula e trata da guerra anticolonial e civil com que conviveu o povo moçambicano por quase trinta anos. Talvez o livro mais importante da carreira de Mia Couto. O mais forte e mais pungente ao relatar, de acordo com a primeira orelha do livro, com "um meticuloso trabalho de lapidação poética ... as mitologias tribais e os casos que circulam de boca em boca pelos meandros da cultura oral africana, bastião de resistência num país como Moçambique..." Imperdível!
E, para não esquecer e não deixar passar em branco, li também um livro de memórias de uma escritora chamada A. M. Homes, cujo título é A encomenda. A autora, filha adotada ainda bebê, narra sua intensa busca por informações acerca de sua família biológica [há também a busca de dados da família que a adotou], ao receber a informação reveladora de quem eram seus pais. Um relato extremamente honesto e claro, e muito bem escrito, pontuado pelos conflito psicológico e pelos conflitos pessoais e de relacionamento familiar que a descoberta gerou. Tanto com a família que recebeu "a encomenda" quanto com as pessoas que deveriam ter sido sua família ao nascer.
Por fim, quero dar as boas vindas a nossa nova seguidora, a Silvina 0707, apesar de achar que ela entrou nesta sala por engano, em busca de milagres. Quem sabe alguma de nossas leituras pode lhe dar o que ela busca. Bem vinda, Silvina. Espero que você curta. E que contribua, pois não?
quinta-feira, 28 de maio de 2009
Um livro que vem de longe
Pois vejam só como são as coisas. Não queria que o mês de maio acabasse sem lhes poder dizer que li o livro de Milton Hatoum. Aquele sugerido para a leitura de março. Hum... quem disse quê? Pois é, não li. Sequer o peguei para. Tenho-o a minha frente, aqui. Uma capa muito bonita, uma foto de Hilton Ribeiro, mas o fato é que não o li. Continua adiado o prazer.
Que apelo têm certos livros que, uma vez iniciada a leitura, não nos deixam soltá-los enquanto não virarmos a última página. O que nos leva a abrir um livro, assim meio que ao acaso, e a nos deixarmos capturar por seu clima, por sua linguagem, pela história em que ele nos envolve e que nos transporta a outros mundos, a outros tempos? Às vezes ao mais profundo de nós mesmos, sem sequer um aviso prévio.
E, outras vezes, um livro nos pega assim de surpresa, vindo de algum lugar ou de um tempo de que já não nos lembrávamos mais. Um espaço esquecido em nossa memória. E, de súbito, ele se apresenta e já não podemos fugir a seu convite, ao apelo que ele nos faz de que lhe dediquemos um pouquinho de nosso tempo. E basta abrir suas páginas para nos tornarmos prisioneiros. Para que o mundo novo que ele oferece se descortine aos nossos olhos e sentidos.
Aconteceu agora comigo. Ao folhear um caderno de anotações lá de 2003, descobri uma referência a um livro. A anotação trazia apenas um título em Inglês: A fortune-teller told me. Na ocasião em que anotei não tinha conseguido descobrir nada a seu respeito. Quem me falou do livro foi uma amiga, que nem ao menos lembrava do nome do autor. Hoje, isso já faz alguns dias, vai-se ao Google. Digitei lá no espaço de busca: "A fortune-teller told me" e pronto! Milhares de páginas a respeito.
Tiziano Terzani, um jornalista italiano, é o autor. O livro, no original em Italiano, se chama Un indovino mi disse. Foi traduzido e publicado em Português, em 1995, pela editora Globo, com o título Um Adivinho me Disse. Traz ainda o subtítulo Viagens pelo misticismo do Oriente. Feito isso, toca conseguir o livro. Onde? Na Internet, é claro. Uma busca rápida num site que reúne cerca de 1.500 sebos do Brasil, o http://www.estantevirtual.com.br/, que recomendo, e encontro a melhor opção. Um exemplar em bom estado por vinte reais, frete incluso. Poucos dias depois o livro bate a minha porta.
Abro-o e descubro que seu ponto de partida é a orientação de um adivinho, feita em 1976, para que o autor não andasse de avião em 1993, ano em que correria grande risco de morrer, caso o fizesse. Para um jornalista, correspondente na Ásia da conhecida revista alemã Der Spiegel, a ideia de se deslocar pelo continente, fazendo a cobertura de acontecimentos dignos de registro ou mesmo a busca de fatos inéditos para publicação, não poder contar com a possibilidade de um transporte rápido e eficiente como o avião, parecia ser uma impossibilidade e uma enorme limitação.
É claro que ainda não acabei a leitura, mas já posso recomendá-lo, sem sombra de dúvida, pois o que Tiziano faz, e nos conta de forma saborosa, ao renunciar aos aviões é redescobrir a força do misticismo no Oriente. E, conforme nos diz a última capa do livro, "saboreando a lentidão das viagens via terra e mar, [investigar] a outra face daquela sociedade tecnológica e consumista que hoje parece tão fascinada com o futuro". Deste modo, "seu relato, povoado de magos e poderes ocultos, serve também de advertência para uma civilização que está se suicidando ao perseguir um modelo cultural que não é o seu".
Dando voz a Tiziano, vamos ouvir um pouco do que ele nos diz logo no primeiro capítulo do livro, após a tomada de decisão de seguir o conselho do adivinho e passar um ano inteiro sem se valer do avião como meio de transporte.
Foi uma esplêndida decisão, e o ano de 1993 acabou por ser um dos mais extraordinários que já passei: devia morrer e renasci. Aquela que parecia uma maldição revelou-se uma verdadeira bênção.
(...)
Deslocar-me não foi mais questão de horas, mas de dias, de semanas. Para não cometer erros, antes de me pôr a viajar, tinha de olhar bem os mapas, de reestudar a geografia. As montanhas voltaram a ser possíveis obstáculos ao meu caminho, e não mais belos, irrelevantes refinamentos em uma paisagem vista da janela.
Viajar de trem ou em navio por grandes distâncias, deu-me novamente o sentido da vastidão do mundo, e sobretudo me fez redescobrir toda uma parte da humanidade, a mais numerosa, aquela de cuja existência as pessoas, pelo hábito de voar, quase se esquecem: a humanidade que se desloca carregada de volumes e de crianças, aquela da qual os aviões e tudo mais passam, em todos os sentidos, por cima da cabeça.
Impor-me não voar virou um jogo cheio de surpresas. Quando alguém finge, por algum tempo, ser cego, descobre que, para compensar a falta de visão, todos os outros sentidos se afinam. A renúncia aos aviões tem um efeito semelhante: o trem, com suas comodidades de tempo e descomodidades de espaço, faz renascer a desusada curiosidade pelos particulares, apura a atenção por aquilo que se vê em torno, por aquilo que escorre fora da janela. Nos aviões logo se aprende a não olhar, a não escutar. A gente que se encontra é sempre a mesma, as conversas que surgem são previsíveis. Em trinta anos de vôos acho que não me recordo de ninguém. Nos trens, ao menos nos da Ásia, não! A humanidade com a qual compartilhamos os dias, as refeições e o tédio não se poderia encontrar de outro modo, e certos personagens permanecem inesquecíveis.
Tão logo decidimos deixá-los de lado, percebemos quanto os aviões impõem uma limitada percepção da existência. E quanto sendo um cômodo redutor de distâncias, acabam por reduzir tudo - inclusive a compreensão do mundo. Deixa-se Roma ao pôr-do-sol, janta-se, dorme-se um pouco, e ao amanhecer já se está na Índia. Mas um país é também toda a sua diversidade, e a pessoa precisa realmente ter tempo para se preparar para o encontro, precisa sofrer cansaço para gozar a conquista. Tudo ficou tão fácil hoje que não se prova mais prazer por nada. Entender algo é uma alegria, mas somente se há esforço. Assim também com os países. Ler um guia, saltando de um aeroporto a outro, não equivale à lenta, fatigante aquisição - por osmose - dos humores da terra, à qual, com o trem, fica-se ligado.
E por aí vai... Tenho certeza de que quem se aventurar vai gostar.
Que apelo têm certos livros que, uma vez iniciada a leitura, não nos deixam soltá-los enquanto não virarmos a última página. O que nos leva a abrir um livro, assim meio que ao acaso, e a nos deixarmos capturar por seu clima, por sua linguagem, pela história em que ele nos envolve e que nos transporta a outros mundos, a outros tempos? Às vezes ao mais profundo de nós mesmos, sem sequer um aviso prévio.
E, outras vezes, um livro nos pega assim de surpresa, vindo de algum lugar ou de um tempo de que já não nos lembrávamos mais. Um espaço esquecido em nossa memória. E, de súbito, ele se apresenta e já não podemos fugir a seu convite, ao apelo que ele nos faz de que lhe dediquemos um pouquinho de nosso tempo. E basta abrir suas páginas para nos tornarmos prisioneiros. Para que o mundo novo que ele oferece se descortine aos nossos olhos e sentidos.
Aconteceu agora comigo. Ao folhear um caderno de anotações lá de 2003, descobri uma referência a um livro. A anotação trazia apenas um título em Inglês: A fortune-teller told me. Na ocasião em que anotei não tinha conseguido descobrir nada a seu respeito. Quem me falou do livro foi uma amiga, que nem ao menos lembrava do nome do autor. Hoje, isso já faz alguns dias, vai-se ao Google. Digitei lá no espaço de busca: "A fortune-teller told me" e pronto! Milhares de páginas a respeito.
Tiziano Terzani, um jornalista italiano, é o autor. O livro, no original em Italiano, se chama Un indovino mi disse. Foi traduzido e publicado em Português, em 1995, pela editora Globo, com o título Um Adivinho me Disse. Traz ainda o subtítulo Viagens pelo misticismo do Oriente. Feito isso, toca conseguir o livro. Onde? Na Internet, é claro. Uma busca rápida num site que reúne cerca de 1.500 sebos do Brasil, o http://www.estantevirtual.com.br/, que recomendo, e encontro a melhor opção. Um exemplar em bom estado por vinte reais, frete incluso. Poucos dias depois o livro bate a minha porta.
Abro-o e descubro que seu ponto de partida é a orientação de um adivinho, feita em 1976, para que o autor não andasse de avião em 1993, ano em que correria grande risco de morrer, caso o fizesse. Para um jornalista, correspondente na Ásia da conhecida revista alemã Der Spiegel, a ideia de se deslocar pelo continente, fazendo a cobertura de acontecimentos dignos de registro ou mesmo a busca de fatos inéditos para publicação, não poder contar com a possibilidade de um transporte rápido e eficiente como o avião, parecia ser uma impossibilidade e uma enorme limitação.
É claro que ainda não acabei a leitura, mas já posso recomendá-lo, sem sombra de dúvida, pois o que Tiziano faz, e nos conta de forma saborosa, ao renunciar aos aviões é redescobrir a força do misticismo no Oriente. E, conforme nos diz a última capa do livro, "saboreando a lentidão das viagens via terra e mar, [investigar] a outra face daquela sociedade tecnológica e consumista que hoje parece tão fascinada com o futuro". Deste modo, "seu relato, povoado de magos e poderes ocultos, serve também de advertência para uma civilização que está se suicidando ao perseguir um modelo cultural que não é o seu".
Dando voz a Tiziano, vamos ouvir um pouco do que ele nos diz logo no primeiro capítulo do livro, após a tomada de decisão de seguir o conselho do adivinho e passar um ano inteiro sem se valer do avião como meio de transporte.
Foi uma esplêndida decisão, e o ano de 1993 acabou por ser um dos mais extraordinários que já passei: devia morrer e renasci. Aquela que parecia uma maldição revelou-se uma verdadeira bênção.
(...)
Deslocar-me não foi mais questão de horas, mas de dias, de semanas. Para não cometer erros, antes de me pôr a viajar, tinha de olhar bem os mapas, de reestudar a geografia. As montanhas voltaram a ser possíveis obstáculos ao meu caminho, e não mais belos, irrelevantes refinamentos em uma paisagem vista da janela.
Viajar de trem ou em navio por grandes distâncias, deu-me novamente o sentido da vastidão do mundo, e sobretudo me fez redescobrir toda uma parte da humanidade, a mais numerosa, aquela de cuja existência as pessoas, pelo hábito de voar, quase se esquecem: a humanidade que se desloca carregada de volumes e de crianças, aquela da qual os aviões e tudo mais passam, em todos os sentidos, por cima da cabeça.
Impor-me não voar virou um jogo cheio de surpresas. Quando alguém finge, por algum tempo, ser cego, descobre que, para compensar a falta de visão, todos os outros sentidos se afinam. A renúncia aos aviões tem um efeito semelhante: o trem, com suas comodidades de tempo e descomodidades de espaço, faz renascer a desusada curiosidade pelos particulares, apura a atenção por aquilo que se vê em torno, por aquilo que escorre fora da janela. Nos aviões logo se aprende a não olhar, a não escutar. A gente que se encontra é sempre a mesma, as conversas que surgem são previsíveis. Em trinta anos de vôos acho que não me recordo de ninguém. Nos trens, ao menos nos da Ásia, não! A humanidade com a qual compartilhamos os dias, as refeições e o tédio não se poderia encontrar de outro modo, e certos personagens permanecem inesquecíveis.
Tão logo decidimos deixá-los de lado, percebemos quanto os aviões impõem uma limitada percepção da existência. E quanto sendo um cômodo redutor de distâncias, acabam por reduzir tudo - inclusive a compreensão do mundo. Deixa-se Roma ao pôr-do-sol, janta-se, dorme-se um pouco, e ao amanhecer já se está na Índia. Mas um país é também toda a sua diversidade, e a pessoa precisa realmente ter tempo para se preparar para o encontro, precisa sofrer cansaço para gozar a conquista. Tudo ficou tão fácil hoje que não se prova mais prazer por nada. Entender algo é uma alegria, mas somente se há esforço. Assim também com os países. Ler um guia, saltando de um aeroporto a outro, não equivale à lenta, fatigante aquisição - por osmose - dos humores da terra, à qual, com o trem, fica-se ligado.
E por aí vai... Tenho certeza de que quem se aventurar vai gostar.
terça-feira, 5 de maio de 2009
Onde fica a felicidade?
E acabou abril também. Nem li o livro do Hautom que sugeri como leitura para março, tampouco voltei a O Leitor, como havia dito que faria. Mas há uma razão para tanto. Para dizer o que eu queria, precisava ter o livro [O Leitor] em mãos. E minha mulher o levou em uma viagem, emprestou-o à irmã, e não o trouxe de volta.
Entretanto, tenho anotado um trecho. Trata de algumas perguntas que o personagem principal do livro faz de si para si [e, por consequência, para quem o lê, é claro], a respeito das quais acho que vale a pena dedicar um momento de reflexão. Reproduzo-o abaixo.
"Será porque aquilo que foi belo se torna frágil para nós em retrospectiva, por esconder verdades sombrias? Por que a lembrança de anos felizes de casamento se estraga quando se revela que o outro tinha um amante durante todos aqueles anos? Será porque não se pode ser feliz em tal situação? Mas a pessoa era feliz! Às vezes a lembrança não é fiel à felicidade quando o fim foi doloroso. Será porque a felicidade só vale quando permanece para sempre? Será porque só pode terminar dolorosamente o que foi doloroso de modo inconsciente e invisível? Mas o que é uma dor inconsciente e invisível?" [pp. 45-6]
Vocês não acham que vale a pena pensar acerca desta questões? Já lhes ocorreu algo parecido? Têm exemplos pessoais? Ou conhecem pessoas que pensem de modo parecido?
Comentem, por favor. À vontade.
Entretanto, tenho anotado um trecho. Trata de algumas perguntas que o personagem principal do livro faz de si para si [e, por consequência, para quem o lê, é claro], a respeito das quais acho que vale a pena dedicar um momento de reflexão. Reproduzo-o abaixo.
"Será porque aquilo que foi belo se torna frágil para nós em retrospectiva, por esconder verdades sombrias? Por que a lembrança de anos felizes de casamento se estraga quando se revela que o outro tinha um amante durante todos aqueles anos? Será porque não se pode ser feliz em tal situação? Mas a pessoa era feliz! Às vezes a lembrança não é fiel à felicidade quando o fim foi doloroso. Será porque a felicidade só vale quando permanece para sempre? Será porque só pode terminar dolorosamente o que foi doloroso de modo inconsciente e invisível? Mas o que é uma dor inconsciente e invisível?" [pp. 45-6]
Vocês não acham que vale a pena pensar acerca desta questões? Já lhes ocorreu algo parecido? Têm exemplos pessoais? Ou conhecem pessoas que pensem de modo parecido?
Comentem, por favor. À vontade.
segunda-feira, 13 de abril de 2009
Livros e leituras recentes
Março acabou e minha sugestão de leitura, aparentemente, foi infrutífera. Ou será que alguém o leu? Eu mesmo não li o livro que sugeri, apesar de o ter separado da estante e de tê-lo mantido entre os que manuseio todos os dias. Por isso vou manter o título em aberto. Quem sabe conseguimos lê-lo em abril? Ou alguém tem uma sugestão de maior urgência. Algo absolutamente imperdível e necessário para ajudar na travessia da crise que se apresenta no mundo?
É certo que não li o Hatoum e seu Relato de um Certo Oriente, mas li outras coisas e é sobre isso que gostaria de falar um pouquinho. Logo no dia primeiro de abril, e não é mentira, após um encontro de todas as quartas, em que se fala a respeito da obra de Guimarães Rosa, no IEB, na USP, li um conto dele, do Tutaméia. Simplesmente maravilhoso. Tanto pela forma de contar quanto pela linguagem escolhida ou pela ideia subjacente ao texto. O resultado é fantástico em todos os sentidos, eu diria. Aconselho. O conto se chama Se Eu Seria Personagem e começa assim, apenas para vocês terem uma ideia. E para ficarem roxos de curiosidade:
"Note-se e medite-se. Para mim mesmo, sou anônimo; o mais fundo de meus pensamentos não entende minhas palavras; só sabemos de nós mesmos com muita confusão." E logo adiante: "Onde há uma borboleta, está pronta a paisagem?" Ou: "O futuro são respostas".
Ao mesmo tempo em que leio o Tutaméia, leio ainda um livro de Harold Bloom, escrito em 1992, no qual ele trata de sua busca espiritual pessoal, relacionando intimamente entre si, apesar de separadas, as buscas da possibilidade de conhecer-se a si mesmo, de conhecer Shakespeare e de conhecer Deus. Diz ele que, citando Ralph Waldo Emerson, "se nos buscamos fora de nós mesmos, encontraremos a catástrofe, erótica ou ideológica". E, citando Blake, "buscar Deus fora do eu é cortejar os desastres do dogma, a corrupção institucional, a malfeitoria histórica e a crueldade". Ah, a propósito o livro se chama Presságios do Milênio e tem como subtítulo Anjos, Sonhos e Imortalidade.
Também leio um livro muito interessante chamado Reflections on the Art of Living - A Joseph Campbell Companion, Selected and Edited by Diane K. Osbon. Isto traduzido seria algo como Reflexões sobre a Arte de Viver - Um Manual de Joseph Campbell. Seleção e edição de Diane K. Osbon. Ao começar a leitura fiquei muito interessado e curioso, estimulado mesmo pela possibilidade de traduzir, quem sabe, um título com material do famoso mitólogo ainda não editado em português, por não encontrar nada a respeito da pessoa que fez a seleção. Uma semana ou duas depois, para minha surpresa, encontrei, em um sebo na Lapa, um livro publicado pela editora Gaia, com a autoria de Joseph Campbell, intitulado Reflexões Sobre a Arte de Viver, seleção e edição de Diane K. Osbon. O dito cujo. Enfim...
Mas não era sobre isso que eu queria falar quando comecei estes relatos... Pensava mesmo era em comentar a respeito d'O Leitor, o livro de Bernhard Schlink, que serviu de roteiro para o filme de mesmo nome, que rendeu mais um Oscar a Kate Winslet. Eu o li durante o final de semana deste feriado de Páscoa. E vale a pena. Não vi o filme ainda, mas o livro é uma aula de bem escrever, sem desperdiçar uma palavra sequer. Um texto enxutíssimo e, eu diria, muito bem traduzido. Apesar de eu não saber alemão, entendo bem as armadilhas da tradução e nem de longe imagino o trabalho que deve ter tido Pedro Süssekind para ser fiel à concisão do autor em sua língua original, vertendo-a para uma língua tão exuberante quanto o português, evitando o risco de usar palavras demais.
Creio que mesmo quem assistiu ao filme deve ler o livro. Mas vou falar dele novamente em breve.
É certo que não li o Hatoum e seu Relato de um Certo Oriente, mas li outras coisas e é sobre isso que gostaria de falar um pouquinho. Logo no dia primeiro de abril, e não é mentira, após um encontro de todas as quartas, em que se fala a respeito da obra de Guimarães Rosa, no IEB, na USP, li um conto dele, do Tutaméia. Simplesmente maravilhoso. Tanto pela forma de contar quanto pela linguagem escolhida ou pela ideia subjacente ao texto. O resultado é fantástico em todos os sentidos, eu diria. Aconselho. O conto se chama Se Eu Seria Personagem e começa assim, apenas para vocês terem uma ideia. E para ficarem roxos de curiosidade:
"Note-se e medite-se. Para mim mesmo, sou anônimo; o mais fundo de meus pensamentos não entende minhas palavras; só sabemos de nós mesmos com muita confusão." E logo adiante: "Onde há uma borboleta, está pronta a paisagem?" Ou: "O futuro são respostas".
Ao mesmo tempo em que leio o Tutaméia, leio ainda um livro de Harold Bloom, escrito em 1992, no qual ele trata de sua busca espiritual pessoal, relacionando intimamente entre si, apesar de separadas, as buscas da possibilidade de conhecer-se a si mesmo, de conhecer Shakespeare e de conhecer Deus. Diz ele que, citando Ralph Waldo Emerson, "se nos buscamos fora de nós mesmos, encontraremos a catástrofe, erótica ou ideológica". E, citando Blake, "buscar Deus fora do eu é cortejar os desastres do dogma, a corrupção institucional, a malfeitoria histórica e a crueldade". Ah, a propósito o livro se chama Presságios do Milênio e tem como subtítulo Anjos, Sonhos e Imortalidade.
Também leio um livro muito interessante chamado Reflections on the Art of Living - A Joseph Campbell Companion, Selected and Edited by Diane K. Osbon. Isto traduzido seria algo como Reflexões sobre a Arte de Viver - Um Manual de Joseph Campbell. Seleção e edição de Diane K. Osbon. Ao começar a leitura fiquei muito interessado e curioso, estimulado mesmo pela possibilidade de traduzir, quem sabe, um título com material do famoso mitólogo ainda não editado em português, por não encontrar nada a respeito da pessoa que fez a seleção. Uma semana ou duas depois, para minha surpresa, encontrei, em um sebo na Lapa, um livro publicado pela editora Gaia, com a autoria de Joseph Campbell, intitulado Reflexões Sobre a Arte de Viver, seleção e edição de Diane K. Osbon. O dito cujo. Enfim...
Mas não era sobre isso que eu queria falar quando comecei estes relatos... Pensava mesmo era em comentar a respeito d'O Leitor, o livro de Bernhard Schlink, que serviu de roteiro para o filme de mesmo nome, que rendeu mais um Oscar a Kate Winslet. Eu o li durante o final de semana deste feriado de Páscoa. E vale a pena. Não vi o filme ainda, mas o livro é uma aula de bem escrever, sem desperdiçar uma palavra sequer. Um texto enxutíssimo e, eu diria, muito bem traduzido. Apesar de eu não saber alemão, entendo bem as armadilhas da tradução e nem de longe imagino o trabalho que deve ter tido Pedro Süssekind para ser fiel à concisão do autor em sua língua original, vertendo-a para uma língua tão exuberante quanto o português, evitando o risco de usar palavras demais.
Creio que mesmo quem assistiu ao filme deve ler o livro. Mas vou falar dele novamente em breve.
terça-feira, 31 de março de 2009
"Uma declaração de amor aos livros"
Conforme o prometido antes, estou de volta para falar do livro Ex-Libris - Confissões de uma leitora comum, de Anne Fadiman, o segundo imperdível, em cuja capa lê-se: "uma declaração de amor aos livros". Mais ou menos o que gostaria de que este espaço/blogue se tornasse. Menos por interesse em um sucesso estrondoso para ele [o que não seria mau], ou para influenciar leitores ou lhes receitar leituras. Mas muito mais para permitir que leitores, e leitoras, comuns possam manifestar suas preferências, possam falar de suas relações com os livros que amam e que guardam em suas casas ou em seus corações e mentes apenas porque lhes revelaram mais de si mesmos(as), das pessoas e do mundo em que vivem e vivemos todos.
E é isso exatamente que me despertou o interesse pelo livro de Anne. Na primeira orelha, o editor traz as perguntas: "você dobra as páginas dos livros para marcar onde parou a leitura? Quais livros leva para a cama? Dedicatórias esquecidas em um livro usado provocam em você uma emoção especial?" E diz mais, que " a relação de um leitor com um livro pode ser tão íntima, complexa e delicada quanto entre duas pessoas. Para a autora destes deliciosos ensaios [são dezoito, e se deixam ler saborosamente], assim como para muitos leitores inveterados e apaixonados, seus livros preferidos tornaram-se capítulos de sua história pessoal. Neles estão anotações, lágrimas, cheiros e vincos que recontam momentos e lugares passados".
Mas vamos dar espaço para Anne nos falar um pouco do que o livro reserva para nós. Vou citar um trecho do prefácio dela:
Quando o romancista irlandês John McGahern era criança, suas irmãs desamarraram e retiraram um de seus sapatos enquanto ele lia. Ele não se mexeu. Colocaram um chapéu de palha em sua cabeça. Nenhuma reação. Só quando tiraram a cadeira de madeira na qual estava sentado foi que, como ele diz, "acordou do livro".
"Acordar" é o verbo correto, porque existe um certo tipo de criança [e eu diria que de adulto também] que acorda de um livro como de um sono profundo, nadando através de camadas de consciência em direção a uma realidade que parece menos real do que o estado de sonho que ficou para trás. Eu fui esse tipo de criança. Depois, na adolescência, influenciada por Hardy [Thomas], não conseguia me apaixonar por um garoto sem classificá-lo como Damon ou Clyn. Mais tarde ainda, dormia com meu marido (um Clyn) numa cama cheia de livros, esperando que a chegada de nosso primeiro filho se parecesse com a cena do nascimento de Kitty em Anna Karenina, mas temendo que pudesse se assemelhar mais ao parto da senhora Thinguimmy em Oliver Twist.
Comecei a escrever Ex-Libris quando me ocorreu ser curioso que se escreva sobre livros quase sempre como se fossem torradeiras. Esta marca é melhor do que aquela? Por 24 dólares e 95 centavos, esta torradeira é um bom negócio? Não há nada sobre como poderei me sentir a respeito de minha torradeira daqui a dez anos, e nada sobre o carinho que ainda posso nutrir pela antiga. Esse modelo de leitor como consumidor - que eu mesma já incentivei em muitas críticas de livro - omite com precisão o que considero a alma da leitura: não é se desejamos comprar um livro novo, mas como mantemos a ligação com os velhos, aqueles com os quais convivemos há anos, cuja textura, cor e cheiro se tornaram tão familiares para nós como a pele de nossos filhos.
Em The Common Reader [O Leitor Comum], Virginia Woolf (que tomou o título de uma frase de Samuel Johnson em Life of Gray [A Vida de Gray]) escreveu sobre "todas essas salas, modestas demais para serem chamadas de bibliotecas, embora cheias de livros, onde a atividade da leitura é exercida por particulares". O leitor comum, diz ela, "difere do crítico e do acadêmico. É menos educado, e a natureza não o dotou muito generosamente. Lê mais por um prazer próprio do que para transmitir conhecimentos ou corrigir a opinião dos outros. Acima de tudo, é guiado por um instinto de criar para si mesmo algum tipo de totalidade, a partir de qualquer miscelânea que encontre". Este livro é a totalidade que tentei criar em cima da quantidade de miscelâneas que povoa minhas estantes abarrotadas.
E por aí vai... Espero que isto seja suficiente para lhes dar uma ideia do que falo e daquilo de que Ex-Libris trata. Apenas para ilustrar, a impressão que tive de sua leitura foi a de que este livro era o instrumento perfeito para eu mostrar a minha mulher, a fim de que ela tivesse um pálida noção de como me sinto com relação aos livros. Porque ela muitas vezes reclama da quantidade de livros espalhados pela casa ou fora de seu lugar nas estantes. Agora menos.
E é isso exatamente que me despertou o interesse pelo livro de Anne. Na primeira orelha, o editor traz as perguntas: "você dobra as páginas dos livros para marcar onde parou a leitura? Quais livros leva para a cama? Dedicatórias esquecidas em um livro usado provocam em você uma emoção especial?" E diz mais, que " a relação de um leitor com um livro pode ser tão íntima, complexa e delicada quanto entre duas pessoas. Para a autora destes deliciosos ensaios [são dezoito, e se deixam ler saborosamente], assim como para muitos leitores inveterados e apaixonados, seus livros preferidos tornaram-se capítulos de sua história pessoal. Neles estão anotações, lágrimas, cheiros e vincos que recontam momentos e lugares passados".
Mas vamos dar espaço para Anne nos falar um pouco do que o livro reserva para nós. Vou citar um trecho do prefácio dela:
Quando o romancista irlandês John McGahern era criança, suas irmãs desamarraram e retiraram um de seus sapatos enquanto ele lia. Ele não se mexeu. Colocaram um chapéu de palha em sua cabeça. Nenhuma reação. Só quando tiraram a cadeira de madeira na qual estava sentado foi que, como ele diz, "acordou do livro".
"Acordar" é o verbo correto, porque existe um certo tipo de criança [e eu diria que de adulto também] que acorda de um livro como de um sono profundo, nadando através de camadas de consciência em direção a uma realidade que parece menos real do que o estado de sonho que ficou para trás. Eu fui esse tipo de criança. Depois, na adolescência, influenciada por Hardy [Thomas], não conseguia me apaixonar por um garoto sem classificá-lo como Damon ou Clyn. Mais tarde ainda, dormia com meu marido (um Clyn) numa cama cheia de livros, esperando que a chegada de nosso primeiro filho se parecesse com a cena do nascimento de Kitty em Anna Karenina, mas temendo que pudesse se assemelhar mais ao parto da senhora Thinguimmy em Oliver Twist.
Comecei a escrever Ex-Libris quando me ocorreu ser curioso que se escreva sobre livros quase sempre como se fossem torradeiras. Esta marca é melhor do que aquela? Por 24 dólares e 95 centavos, esta torradeira é um bom negócio? Não há nada sobre como poderei me sentir a respeito de minha torradeira daqui a dez anos, e nada sobre o carinho que ainda posso nutrir pela antiga. Esse modelo de leitor como consumidor - que eu mesma já incentivei em muitas críticas de livro - omite com precisão o que considero a alma da leitura: não é se desejamos comprar um livro novo, mas como mantemos a ligação com os velhos, aqueles com os quais convivemos há anos, cuja textura, cor e cheiro se tornaram tão familiares para nós como a pele de nossos filhos.
Em The Common Reader [O Leitor Comum], Virginia Woolf (que tomou o título de uma frase de Samuel Johnson em Life of Gray [A Vida de Gray]) escreveu sobre "todas essas salas, modestas demais para serem chamadas de bibliotecas, embora cheias de livros, onde a atividade da leitura é exercida por particulares". O leitor comum, diz ela, "difere do crítico e do acadêmico. É menos educado, e a natureza não o dotou muito generosamente. Lê mais por um prazer próprio do que para transmitir conhecimentos ou corrigir a opinião dos outros. Acima de tudo, é guiado por um instinto de criar para si mesmo algum tipo de totalidade, a partir de qualquer miscelânea que encontre". Este livro é a totalidade que tentei criar em cima da quantidade de miscelâneas que povoa minhas estantes abarrotadas.
E por aí vai... Espero que isto seja suficiente para lhes dar uma ideia do que falo e daquilo de que Ex-Libris trata. Apenas para ilustrar, a impressão que tive de sua leitura foi a de que este livro era o instrumento perfeito para eu mostrar a minha mulher, a fim de que ela tivesse um pálida noção de como me sinto com relação aos livros. Porque ela muitas vezes reclama da quantidade de livros espalhados pela casa ou fora de seu lugar nas estantes. Agora menos.
segunda-feira, 30 de março de 2009
Dois livros imperdíveis.
Eu não poderia dar continuidade a meus comentários neste espaço, sem falar, de dois livros muito interessantes, em meu modo de ver, para quem gosta de ler e de livros. E para quem quer que deseje aprender a gostar cada vez mais de ler e de livros. É claro que falar destes dois livros é apenas uma escolha aleatória minha e que eles podem não despertar o mesmo interesse que despertaram em mim em nenhuma das pessoas que me leem.
O primeiro deles, Como um Romance, é de Daniel Pennac, autor francês que publicou seu primeiro livro em 1973. Como um Romance é "um ensaio delicioso sobre a leitura, 'esse ato íntimo, alquimia privilegiada e misteriosa entre autor e leitor'". Na primeira orelha do livro, o editor diz que Daniel Pennac, "do alto de sua experiência de professor, embalado num estilo a um só tempo irônico e poético... investiga as chaves para o mundo da leitura, esse desconhecido de um número expressivo de possíveis leitores". Na segunda, revela que o autor, "lendo para seus alunos, fez com que eles percebessem que Dostoievski, Tolstoi, Calvino, Gabriel Garcia Marquez, John Fante, todos, qualquer que seja a forma por eles escolhida, as palavras que utilizaram, contam uma história. Para entendê-la, basta voltar ao despudor da primeira infância de querer tudo descobrir, tudo ouvir".
Um excerto:
O verbo ler não suporta o imperativo. Aversão que partilha com alguns outros: o verbo amar... o verbo "sonhar"... Bem, é sempre possível, é claro. Vamos lá: "Me ame!" "Sonhe!" "Leia!" "Leia logo, que diabo, eu estou mandando você ler!"
- Vá para o seu quarto e leia!
Resultado?
Nulo.
Ele dormiu em cima do livro. A janela, de repente, lhe pareceu imensamente aberta sobre uma coisa qualquer tentadora. Foi por ali que ele decolou. Para escapar ao livro. Mas é um sono vigilante: o livro continua aberto diante dele. E no pouco que abrimos a porta de seu quarto, nós o encontramos sentado junto à escrivanhinha, seriamente ocupado em ler. Mesmo se nos aproximamos na ponta dos pés, da superfície de seu sono ele nos terá escutado chegar.
- Então, está gostando?
Ele não vai nos responder que não, isto seria um crime de lesa-majestade. O livro é sagrado, como é possível não gostar de ler? Não, ele vai dizer que as descrições são longas demais.
Tranquilizados, voltamos ao nosso aparelho de televisão. E é até possível que esta reflexão suscite um apaixonante debate entre nós e os outros como nós...
- Ele acha as descrições longas demais. É preciso entender, estamos no século do audiovisual, evidentemente os romancistas do século dezenove tinham que descrever tudo...
- Mas isto não é razão para pular a metade das páginas.
Não vamos nos cansar, ele voltou a dormir.
Há ainda que destacar o estabelecimento por Pennac dos 10 direitos imprescritíveis do leitor, fixados e explicados em títulos de subcapítulos na parte final do livro. São eles: 1) O direito de não ler. 2) O direito de pular páginas. 3) O direito de não terminar um livro. 4) O direito de reler. 5) O direito de ler qualquer coisa. 6) O direito ao bovarismo (doença textualmente transmissível). 7) O direito de ler em qualquer lugar. 8) O direito de ler uma frase aqui e outra ali. 9) O direito de ler em voz alta. 10) O direito de calar.
O segundo livro se chama Ex-Libris - Confissões de uma Leitora Comum e foi escrito por Anne Fadiman. Mas, para que esta postagem não fique muito longa, não se torne cansativa e desinteressante, vou falar dele noutra ocasião.
O primeiro deles, Como um Romance, é de Daniel Pennac, autor francês que publicou seu primeiro livro em 1973. Como um Romance é "um ensaio delicioso sobre a leitura, 'esse ato íntimo, alquimia privilegiada e misteriosa entre autor e leitor'". Na primeira orelha do livro, o editor diz que Daniel Pennac, "do alto de sua experiência de professor, embalado num estilo a um só tempo irônico e poético... investiga as chaves para o mundo da leitura, esse desconhecido de um número expressivo de possíveis leitores". Na segunda, revela que o autor, "lendo para seus alunos, fez com que eles percebessem que Dostoievski, Tolstoi, Calvino, Gabriel Garcia Marquez, John Fante, todos, qualquer que seja a forma por eles escolhida, as palavras que utilizaram, contam uma história. Para entendê-la, basta voltar ao despudor da primeira infância de querer tudo descobrir, tudo ouvir".
Um excerto:
O verbo ler não suporta o imperativo. Aversão que partilha com alguns outros: o verbo amar... o verbo "sonhar"... Bem, é sempre possível, é claro. Vamos lá: "Me ame!" "Sonhe!" "Leia!" "Leia logo, que diabo, eu estou mandando você ler!"
- Vá para o seu quarto e leia!
Resultado?
Nulo.
Ele dormiu em cima do livro. A janela, de repente, lhe pareceu imensamente aberta sobre uma coisa qualquer tentadora. Foi por ali que ele decolou. Para escapar ao livro. Mas é um sono vigilante: o livro continua aberto diante dele. E no pouco que abrimos a porta de seu quarto, nós o encontramos sentado junto à escrivanhinha, seriamente ocupado em ler. Mesmo se nos aproximamos na ponta dos pés, da superfície de seu sono ele nos terá escutado chegar.
- Então, está gostando?
Ele não vai nos responder que não, isto seria um crime de lesa-majestade. O livro é sagrado, como é possível não gostar de ler? Não, ele vai dizer que as descrições são longas demais.
Tranquilizados, voltamos ao nosso aparelho de televisão. E é até possível que esta reflexão suscite um apaixonante debate entre nós e os outros como nós...
- Ele acha as descrições longas demais. É preciso entender, estamos no século do audiovisual, evidentemente os romancistas do século dezenove tinham que descrever tudo...
- Mas isto não é razão para pular a metade das páginas.
Não vamos nos cansar, ele voltou a dormir.
Há ainda que destacar o estabelecimento por Pennac dos 10 direitos imprescritíveis do leitor, fixados e explicados em títulos de subcapítulos na parte final do livro. São eles: 1) O direito de não ler. 2) O direito de pular páginas. 3) O direito de não terminar um livro. 4) O direito de reler. 5) O direito de ler qualquer coisa. 6) O direito ao bovarismo (doença textualmente transmissível). 7) O direito de ler em qualquer lugar. 8) O direito de ler uma frase aqui e outra ali. 9) O direito de ler em voz alta. 10) O direito de calar.
O segundo livro se chama Ex-Libris - Confissões de uma Leitora Comum e foi escrito por Anne Fadiman. Mas, para que esta postagem não fique muito longa, não se torne cansativa e desinteressante, vou falar dele noutra ocasião.
sexta-feira, 27 de março de 2009
Conhecendo poetas e escritores
Na semana passada, compareci a uma sessão de lançamento de uma antologia de poesia contemporânea. A sessão começou com uma apresentação do professor Ivan Marques, que escreve um pósfácio para a antologia e, presentes, sete dos treze poetas destacados pela antologia fizeram a leitura de alguns de seus próprios poemas. Além deles também estavam os organizadores e amigos e familiares dos poetas e amigos e amigas dos amigos e dos familiares dos poetas. Enfim, uma reunião digna de registro neste espaço, entre outras coisas, por se tratar de pessoas amigas que cultivam laços fortes com livros, leituras e literatura.
Quase posso dizer que conheço pessoalmente todos os presentes. Jornalistas, escritores, poetas, professores e pessoas ligadas à literatura, aos meios de comunicação e à cultura. E esta abertura é apenas um pretexto para um comentário que fiz a alguém na ocasião, ao lembrar que, na época em que era estudante, os escritores, poetas, autores e as pessoas que, em geral, apareciam ou eram citadas nos livros, eram deuses, ou semi-deuses. Não me passava jamais pela cabeça, e acho que nem pela cabeça de nenhum de meus colegas, que fosse possível algum dia ter contato próximo com alguém que tivesse escrito uma poesia que aparecera publicada em um livro. Ou com alguém que tivesse escrito um livro inteiro, de poesias ou mesmo prosa.
Anos depois, em Porto Alegre, visitei uma das edições da famosa Feira do Livro e fiquei entusiamadíssimo com o fato de ter conseguido o autógrafo de dois grandes escritores para os livros que comprara. Darcy Ribeiro autografou para mim seu livro Ensaios Insólitos e Josué Guimarães, grande escritor gaúcho, autografou seu Camilo Mortágua, um livro que sempre merece ser lido e relido. Para quem não o conhece, imagine-se um velho que, ao entrar em uma sala de cinema para assistir a um filme sobre Cleópatra, percebe, ao se iniciar a sessão, que o que se passa na tela não é nada mais, nada menos, do que uma narrativa pelas imagens que retrata toda a sua vida.
Na primeira orelha da capa original desta primeira edição autografada que possuo, o editor nos convida à leitura dizendo que Josué Guimarães, em seu novo romance, nos oferece "um painel inédito de sua ficção, contando de maneira apaixonante a decadência de uma família de pecuaristas, da fronteira gaúcha, com todas as suas misérias e grandezas". Diz ainda que, de certa forma, a "história de Camilo Mortágua reproduz o drama de dezenas de famílias gaúchas que, baseando seus rendimentos na exploração de rebanhos na fronteira, levaram suas vidas luxuosas na capital do Estado, num fausto que fez época e que, com o passar do tempo, terminou por arruiná-las". Uma narrativa que mescla fantasia e realidade de homens e mulheres "que se movimentam com independência na trama de suas vidas" e que poderia perfeitamente se transformar em roteiro para um filme excelente, como tantos saídos da ficção de nossos autores preferidos.
Bem, divaguei um pouco... Voltemos ao lançamento. Apenas para informar a quem me lê e se interessa por poesia. A antologia, publicada pela editora Scipione, se chama Traçados Diversos e traz poemas de Fabrício Corsaletti, Antonio Cicero, Fernando Paixão, Donizete Galvão, Annita Costa Malufe, Heitor Ferraz Mello, Ruy Proença, Fabio Weintraub, Ricardo Aleixo, Arnaldo Antunes, Chacal, Bruna Beber e Fabiano Calixto. Vale a pena destacar um poema do Ruy, de que gosto muito, a respeito do qual é possível se fazer uma profunda reflexão. O poema se intitula Tiranias e diz o seguinte:
antigamente/diziam: cuidado,/as paredes têm ouvidos
então/falávamos baixo/nos policiávamos
hoje/as coisas mudaram:/os ouvidos têm paredes
de nada/adianta/gritar
Aproveito aqui ainda para dar as boas vindas à Margarida Constantino entre nós. Espero que ela possa permanecer conosco por muito tempo e trazer suas contribuições, indicando-nos livros e leituras.
Quase posso dizer que conheço pessoalmente todos os presentes. Jornalistas, escritores, poetas, professores e pessoas ligadas à literatura, aos meios de comunicação e à cultura. E esta abertura é apenas um pretexto para um comentário que fiz a alguém na ocasião, ao lembrar que, na época em que era estudante, os escritores, poetas, autores e as pessoas que, em geral, apareciam ou eram citadas nos livros, eram deuses, ou semi-deuses. Não me passava jamais pela cabeça, e acho que nem pela cabeça de nenhum de meus colegas, que fosse possível algum dia ter contato próximo com alguém que tivesse escrito uma poesia que aparecera publicada em um livro. Ou com alguém que tivesse escrito um livro inteiro, de poesias ou mesmo prosa.
Anos depois, em Porto Alegre, visitei uma das edições da famosa Feira do Livro e fiquei entusiamadíssimo com o fato de ter conseguido o autógrafo de dois grandes escritores para os livros que comprara. Darcy Ribeiro autografou para mim seu livro Ensaios Insólitos e Josué Guimarães, grande escritor gaúcho, autografou seu Camilo Mortágua, um livro que sempre merece ser lido e relido. Para quem não o conhece, imagine-se um velho que, ao entrar em uma sala de cinema para assistir a um filme sobre Cleópatra, percebe, ao se iniciar a sessão, que o que se passa na tela não é nada mais, nada menos, do que uma narrativa pelas imagens que retrata toda a sua vida.
Na primeira orelha da capa original desta primeira edição autografada que possuo, o editor nos convida à leitura dizendo que Josué Guimarães, em seu novo romance, nos oferece "um painel inédito de sua ficção, contando de maneira apaixonante a decadência de uma família de pecuaristas, da fronteira gaúcha, com todas as suas misérias e grandezas". Diz ainda que, de certa forma, a "história de Camilo Mortágua reproduz o drama de dezenas de famílias gaúchas que, baseando seus rendimentos na exploração de rebanhos na fronteira, levaram suas vidas luxuosas na capital do Estado, num fausto que fez época e que, com o passar do tempo, terminou por arruiná-las". Uma narrativa que mescla fantasia e realidade de homens e mulheres "que se movimentam com independência na trama de suas vidas" e que poderia perfeitamente se transformar em roteiro para um filme excelente, como tantos saídos da ficção de nossos autores preferidos.
Bem, divaguei um pouco... Voltemos ao lançamento. Apenas para informar a quem me lê e se interessa por poesia. A antologia, publicada pela editora Scipione, se chama Traçados Diversos e traz poemas de Fabrício Corsaletti, Antonio Cicero, Fernando Paixão, Donizete Galvão, Annita Costa Malufe, Heitor Ferraz Mello, Ruy Proença, Fabio Weintraub, Ricardo Aleixo, Arnaldo Antunes, Chacal, Bruna Beber e Fabiano Calixto. Vale a pena destacar um poema do Ruy, de que gosto muito, a respeito do qual é possível se fazer uma profunda reflexão. O poema se intitula Tiranias e diz o seguinte:
antigamente/diziam: cuidado,/as paredes têm ouvidos
então/falávamos baixo/nos policiávamos
hoje/as coisas mudaram:/os ouvidos têm paredes
de nada/adianta/gritar
Aproveito aqui ainda para dar as boas vindas à Margarida Constantino entre nós. Espero que ela possa permanecer conosco por muito tempo e trazer suas contribuições, indicando-nos livros e leituras.
quinta-feira, 19 de março de 2009
E se o livro não for interessante?
Quando começas a ler um livro, faze-o por quê? Ou, em outras palavras, o que te leva a ler um livro? A indicação de alguém, a resenha do livro em jornais, revistas ou catálogos de livrarias e sites? De que maneira determinas a leitura que vais fazer? Lês apenas livros que tratam de um assunto ou tema de teu interesse? Ou és curioso(a) a ponto de escolher um livro por seu título, por sua capa? Já chegaste a ler um livro porque alguém falou mal dele, ou do autor?
Quando começas a ler um livro gostas de saber de antemão do que ele trata? De que fala? Isto é, já tiveste conhecimento do livro por aquilo que a crítica e a imprensa falaram dele? Há um autor de quem esperas ansiosamente o livro seguinte? Há um autor de quem não queres nem ouvir falar?
E se, ao começar a ler um livro, ele se mostrasse surpreendente, com idas e vindas abruptas, com mudança de cenários e temas, revelando-se até mesmo ser bastante diferente daquilo que esperavas? Mais, não se revelando em absoluto, mostrando uma surpresa e uma reviravolta atrás de outra? Indo muito além daquilo que costumas esperar de um romance?
Estas perguntas todas são apenas retóricas, uma vez que ninguém vai respondê-las. Ou melhor, uma vez que não espero nenhuma resposta para elas. São apenas uma provocação, um convite a que penses com mais vagar a respeito dos motivos pelos quais lês, o que lês e o que gostas de ler. Elas também têm a intenção de despertar tua curiosidade e/ou interesse para um escritor italiano muito conhecido. Particularmente para um de seus livros. Aquele intitulado Se um viajante numa noite de inverno.
Um livro típico de um autor de gênio a respeito do qual o próprio Italo Calvino disse tratar-se "de um romance sobre o prazer de ler romances; [um romance no qual] o protagonista é o Leitor, que por dez vezes recomeça a ler um livro que, em razão de vicissitudes alheias a sua vontade, ele não consegue terminar. Tive, portanto, de escrever o início de uma dezena de romances de autores imaginários, todos de algum modo diferentes de mim e diferentes entre si: um romance todo de desconfianças e sentimentos confusos; outro todo de sensações densas e sanguíneas; um introspectivo e simbólico; um existencial revolucionário; um cínico-brutal; um de manias obsessivas; um lógico e geométrico; um erótico-pervertido; um telúrico-primordial; um apocalíptico-alegórico. Mais que identificar-me com o autor de cada um dos dez romances, procurei identificar-me com o leitor - representar o prazer da leitura deste ou daquele gênero, mais que o texto propriamente dito. Em alguns momentos, cheguei a sentir que a energia criativa desses dez autores inexistentes me penetrava. Mas, sobretudo, tentei evidenciar o fato de que todo livro nasce na presença de outros livros, em relação e em confronto com outros livros".
Na última capa o editor diz o seguinte: "Este romance que está em suas mãos é uma obra-prima de engenhosidade, humor e inteligência. Ele contém histórias de amor, suspense, conflito, mistério, erotismo, filosofia, guerra, realismo fantástico. É um daqueles livros que mantém viva a expectativa criada desde o início e obriga o leitor a continuar a leitura, na busca da satisfação plena do fim. Mas cuidado, leitor amigo: estes trezentos framas de papel impresso podem ser traiçoeiras, levá-lo por caminhos angustiantes e deixá-lo com grandes frustrações. São como um campo minado: avance atento, perceba o jogo de espelhos, fique de olho nos detalhes, para conseguir chegar ao gozo final".
Boa leitura!
Quando começas a ler um livro gostas de saber de antemão do que ele trata? De que fala? Isto é, já tiveste conhecimento do livro por aquilo que a crítica e a imprensa falaram dele? Há um autor de quem esperas ansiosamente o livro seguinte? Há um autor de quem não queres nem ouvir falar?
E se, ao começar a ler um livro, ele se mostrasse surpreendente, com idas e vindas abruptas, com mudança de cenários e temas, revelando-se até mesmo ser bastante diferente daquilo que esperavas? Mais, não se revelando em absoluto, mostrando uma surpresa e uma reviravolta atrás de outra? Indo muito além daquilo que costumas esperar de um romance?
Estas perguntas todas são apenas retóricas, uma vez que ninguém vai respondê-las. Ou melhor, uma vez que não espero nenhuma resposta para elas. São apenas uma provocação, um convite a que penses com mais vagar a respeito dos motivos pelos quais lês, o que lês e o que gostas de ler. Elas também têm a intenção de despertar tua curiosidade e/ou interesse para um escritor italiano muito conhecido. Particularmente para um de seus livros. Aquele intitulado Se um viajante numa noite de inverno.
Um livro típico de um autor de gênio a respeito do qual o próprio Italo Calvino disse tratar-se "de um romance sobre o prazer de ler romances; [um romance no qual] o protagonista é o Leitor, que por dez vezes recomeça a ler um livro que, em razão de vicissitudes alheias a sua vontade, ele não consegue terminar. Tive, portanto, de escrever o início de uma dezena de romances de autores imaginários, todos de algum modo diferentes de mim e diferentes entre si: um romance todo de desconfianças e sentimentos confusos; outro todo de sensações densas e sanguíneas; um introspectivo e simbólico; um existencial revolucionário; um cínico-brutal; um de manias obsessivas; um lógico e geométrico; um erótico-pervertido; um telúrico-primordial; um apocalíptico-alegórico. Mais que identificar-me com o autor de cada um dos dez romances, procurei identificar-me com o leitor - representar o prazer da leitura deste ou daquele gênero, mais que o texto propriamente dito. Em alguns momentos, cheguei a sentir que a energia criativa desses dez autores inexistentes me penetrava. Mas, sobretudo, tentei evidenciar o fato de que todo livro nasce na presença de outros livros, em relação e em confronto com outros livros".
Na última capa o editor diz o seguinte: "Este romance que está em suas mãos é uma obra-prima de engenhosidade, humor e inteligência. Ele contém histórias de amor, suspense, conflito, mistério, erotismo, filosofia, guerra, realismo fantástico. É um daqueles livros que mantém viva a expectativa criada desde o início e obriga o leitor a continuar a leitura, na busca da satisfação plena do fim. Mas cuidado, leitor amigo: estes trezentos framas de papel impresso podem ser traiçoeiras, levá-lo por caminhos angustiantes e deixá-lo com grandes frustrações. São como um campo minado: avance atento, perceba o jogo de espelhos, fique de olho nos detalhes, para conseguir chegar ao gozo final".
Boa leitura!
sexta-feira, 13 de março de 2009
Para se ficar "sempre brabo de alegre"
Esta postagem tenta oferecer resposta a uma pergunta feita pessoalmente por meu amigo Heitor - olha eu expondo o amigo às luzes da rede -, o htsj, que aparece aqui, até agora, como o único seguidor deste blogue, o que não significa que não haja milhares deles, anônimos, tímidos, retraídos, sei lá... Ou que ele talvez seja o único com coragem e capacidade para romper todos os obstáculos impostos pelo Blogger a quem deseja se manifestar, ou oferecer sua opinião aos leitores e ao autor destas postagens.
Brincadeiras à parte, para responder à pergunta do Heitor, a respeito da alegria, indiquei a ele a leitura de um trecho do conto Campo Geral, de Guimarães Rosa, em que ele fala de Miguilim, menino dado a tristezas, em um momento em que ele já tinha meio que perdido "o gôsto de se esconder, de se apartar às vezes da companhia dos outros, conforme tanto de-primeiro êle apreciava. Mas, agora, de repente achava que, se sòzinho, então - por certo encoberto modo - aí era que êle era mais sabido de todos, mais enxergado e medido. ... Queria que tudo fôsse igual ao igual, sem esparrame nenhum, nunca, sem espanto novo de assunto, mas o pessoal da família cada um lidando em suas miúdas obrigações, no usozinho. Que - se ele mesmo desse de viver mais forte, então puxava perigo de desmanchar o esquecimento de Deus...
O companheiro e confidente de Miguilim no conto era seu irmão Dito a quem Miguilim consultava muitas vezes. Mas mesmo depois que o Dito morre, lá na frente, com a história adiantada, Miguilim, lembrando das coisas que ele dizia, comenta que "... O Dito dizia que o certo era a gente estar sempre brabo de alegre, alegre por dentro, mesmo com tudo de ruim que acontecesse, alegre nas profundas. Podia? Alegre era a gente viver devagarinho, miudinho, não se importando demais com coisa nenhuma..."
Acho que tanto no primeiro momento quanto no segundo se fala da alegria. No primeiro, o que transparece é a forma mais simples e verdadeira de alegria. Pois existirá uma forma mais autêntica de se pensar na alegria, ou mesmo de celebrá-la e vivê-la no dia a dia, do que evocar a imagem de um mundo no qual a ordem das coisas seja a mais natural possível, tudo "igual ao igual"? Aliás, há alguma ordem no mundo que consiga escapar à natural?
No segundo, quer se entenda assim, quer não, parece-me que se está exatamente a entender de forma clara e profunda a ordem natural. Para se viver a alegria tem-se de ficar "alegre por dentro, mesmo com tudo de ruim que acontecesse, alegre nas profundas". Porque bom e ruim são apenas pontos de vista, perspectivas. O que nos parece ruim nalgum momento pode vir a se revelar a melhor coisa que já nos aconteceu. Obedece-se aí também à ordem natural das coisas.
Não lhes parece?
Brincadeiras à parte, para responder à pergunta do Heitor, a respeito da alegria, indiquei a ele a leitura de um trecho do conto Campo Geral, de Guimarães Rosa, em que ele fala de Miguilim, menino dado a tristezas, em um momento em que ele já tinha meio que perdido "o gôsto de se esconder, de se apartar às vezes da companhia dos outros, conforme tanto de-primeiro êle apreciava. Mas, agora, de repente achava que, se sòzinho, então - por certo encoberto modo - aí era que êle era mais sabido de todos, mais enxergado e medido. ... Queria que tudo fôsse igual ao igual, sem esparrame nenhum, nunca, sem espanto novo de assunto, mas o pessoal da família cada um lidando em suas miúdas obrigações, no usozinho. Que - se ele mesmo desse de viver mais forte, então puxava perigo de desmanchar o esquecimento de Deus...
O companheiro e confidente de Miguilim no conto era seu irmão Dito a quem Miguilim consultava muitas vezes. Mas mesmo depois que o Dito morre, lá na frente, com a história adiantada, Miguilim, lembrando das coisas que ele dizia, comenta que "... O Dito dizia que o certo era a gente estar sempre brabo de alegre, alegre por dentro, mesmo com tudo de ruim que acontecesse, alegre nas profundas. Podia? Alegre era a gente viver devagarinho, miudinho, não se importando demais com coisa nenhuma..."
Acho que tanto no primeiro momento quanto no segundo se fala da alegria. No primeiro, o que transparece é a forma mais simples e verdadeira de alegria. Pois existirá uma forma mais autêntica de se pensar na alegria, ou mesmo de celebrá-la e vivê-la no dia a dia, do que evocar a imagem de um mundo no qual a ordem das coisas seja a mais natural possível, tudo "igual ao igual"? Aliás, há alguma ordem no mundo que consiga escapar à natural?
No segundo, quer se entenda assim, quer não, parece-me que se está exatamente a entender de forma clara e profunda a ordem natural. Para se viver a alegria tem-se de ficar "alegre por dentro, mesmo com tudo de ruim que acontecesse, alegre nas profundas". Porque bom e ruim são apenas pontos de vista, perspectivas. O que nos parece ruim nalgum momento pode vir a se revelar a melhor coisa que já nos aconteceu. Obedece-se aí também à ordem natural das coisas.
Não lhes parece?
quarta-feira, 11 de março de 2009
O livro do mês
Ocorreu-me algum tempo depois de começar as postagens neste espaço que talvez fosse uma boa idéia selecionarmos periodicamente um livro para a leitura compartilhada. Isto é, algo como "o livro do mês" na Sala de Leitura. Ou "o livro da vez", por assim dizer.
O que vocês acham?
Compartilharíamos, assim, a leitura de um livro a cada mês, por exemplo. O que não significa limitar a leitura de ninguém a um só livro, é claro. Minha sugestão é que comecemos com a leitura de Relato de um Certo Oriente, o primeiro livro de Milton Hatoum, que estou pensando em ler há já algum tempo.
Alguém tem alguma outra sugestão para começar?
O que vocês acham?
Compartilharíamos, assim, a leitura de um livro a cada mês, por exemplo. O que não significa limitar a leitura de ninguém a um só livro, é claro. Minha sugestão é que comecemos com a leitura de Relato de um Certo Oriente, o primeiro livro de Milton Hatoum, que estou pensando em ler há já algum tempo.
Alguém tem alguma outra sugestão para começar?
terça-feira, 10 de março de 2009
Palavras para dizer, para começar
Parece-me que estamos prontos para dar início. Talvez ainda haja alguns ajustes a serem feitos em relação aos comentários mas acho que podemos fazer isso ao longo das trocas que certamente vão se dar por aqui.
Comecemos com Marie Cardinal, escritora argelina que escreve em francês, nascida em 1929 e "autora de dez romances de grande sucesso na França, em outros países da Europa e nos Estados Unidos", de acordo com uma das orelhas de seu livro Palavras para dizer, publicado no Brasil pela editora Trajetória Cultural, em 1990. E, até onde sei, o único de seus livros publicados aqui. Um livro maravilhoso e provavelmente muito difícil de ser encontrado hoje, dado o tempo que nos separa da data de sua publicação.
O livro é um relato autobiográfico de sete anos de análise da autora que "encontra as palavras para narrar de forma envolvente, sem medo o que antes considerava impossível". De acordo com suas próprias palavras na primeira orelha do livro, "A análise não pode ser escrita. Seriam necessárias milhares de páginas para exprimir infinitamente o nada... a matéria em gestação, a gestação do pensamento..."
Ajudada pela beleza da tradução de Wanda Caldeira Brant, para a língua portuguesa, parece que, de algum modo, ela conseguiu. O que fez Ingmar Bergman dizer: "Um dos livros mais extraordinários que já li. Jamais poderia ter sido escrito por um homem". Vale a pena ler alguns trechos:
"... fico sempre maravilhada frente ao admirável trabalho que se opera entre o consciente e o inconsciente. Abelhas laboriosas. O inconsciente indo procurar, nas profundezas da vida, as riquezas que me eram próprias, colocando-as numa margem de meu sono, e a consciência, na outra margem, de longe, inspecionando a novidade, apreciando-a, deixando-me senti-la ou rejeitando-a. Assim, às vezes irrompia em minha realidade uma verdade fácil de compreender, simples, clara, mas que só me aparecia quando eu estava em condições de acolhê-la. Meu inconsciente, há muito tempo, tinha preparado o terreno, mostrando-se à consciência, aqui e ali, por palavras, imagens, sonhos nos quais não prestara atenção. Até o dia em que, amadurecida para receber a nova verdade, podia percorrer o caminho que em poucos segundos levava a ela. Isso tinha acontecido em relação à minha violência, que só enxerguei no momento em que já podia suportá-la." [p.226]
"... Silêncio, porque o essencial está expresso." [p.229]
"Achava que as palavras podiam ser minhas aliadas ou minhas inimigas, mas que de qualquer forma eram estranhas para mim. Eram utensílios fabricados há muito tempo e colocados à minha disposição para me comunicar com os outros. (...) Os homens tinham inventado milhões de palavras... que exprimiam o universo em sua totalidade. Nunca tinha pensado nisso, nunca tinha dado conta de que toda mudança de palavras era um fato precioso, representava uma escolha. As palavras eram estojos, todas continham uma matéria vital.
"As palavras podiam ser veículos inofensivos, carrinhos elétricos de diversas cores que se trombavam na vida diária, soltando feixes de faíscas que não machucavam.
"As palavras podiam ser partículas vibráteis animando a existência ou células realizando fagocitose, ou glóbulos formando uma liga para engolir, com avidez, micróbios e rechaçar as invasões de corpos estranhos.
"As palavras podia ser feridas ou cicatrizes, podiam parecer um dente estragado num sorriso aberto.
"As palavras podiam ser também gigantes, rochas enfiadas profundamente na terra, sólidas, graças às quais era possível atravessar cachoeiras.
"Enfim, as palavras podiam ser monstros, os SS do inconsciente, detendo o pensamento dos vivos nas prisões do esquecimento." [p.231]
"... As palavras, esses estojos de vida, estão elas próprias contidas, quando escritas, nos estojos das letras. Cada tipo de caractere tem um estilo próprio que comunica à palavra que grafa e à matéria que está na palavra. Cada povo inventa caracteres com os quais se parece. Os alemães têm alfabetos pesados e enérgicos feitos para textos fortes, análises rigorosas. Os ingleses têm letras precisas e loucas, feitas para a liberdade bem calculada. Os americanos têm caracteres novos e tecnocráticos feitos e pensados por robôs. Os latinos têm caracteres bonitos feitos para a sutileza, o amor e as lágrimas..." [p.236]
Alguém já leu? Quer comentar? Há outro techo que despertou atenção? Que lhes parece? Se alguém ficar interessado, posso emprestar o exemplar que tenho. Mas a devolução é obrigatória.
Comecemos com Marie Cardinal, escritora argelina que escreve em francês, nascida em 1929 e "autora de dez romances de grande sucesso na França, em outros países da Europa e nos Estados Unidos", de acordo com uma das orelhas de seu livro Palavras para dizer, publicado no Brasil pela editora Trajetória Cultural, em 1990. E, até onde sei, o único de seus livros publicados aqui. Um livro maravilhoso e provavelmente muito difícil de ser encontrado hoje, dado o tempo que nos separa da data de sua publicação.
O livro é um relato autobiográfico de sete anos de análise da autora que "encontra as palavras para narrar de forma envolvente, sem medo o que antes considerava impossível". De acordo com suas próprias palavras na primeira orelha do livro, "A análise não pode ser escrita. Seriam necessárias milhares de páginas para exprimir infinitamente o nada... a matéria em gestação, a gestação do pensamento..."
Ajudada pela beleza da tradução de Wanda Caldeira Brant, para a língua portuguesa, parece que, de algum modo, ela conseguiu. O que fez Ingmar Bergman dizer: "Um dos livros mais extraordinários que já li. Jamais poderia ter sido escrito por um homem". Vale a pena ler alguns trechos:
"... fico sempre maravilhada frente ao admirável trabalho que se opera entre o consciente e o inconsciente. Abelhas laboriosas. O inconsciente indo procurar, nas profundezas da vida, as riquezas que me eram próprias, colocando-as numa margem de meu sono, e a consciência, na outra margem, de longe, inspecionando a novidade, apreciando-a, deixando-me senti-la ou rejeitando-a. Assim, às vezes irrompia em minha realidade uma verdade fácil de compreender, simples, clara, mas que só me aparecia quando eu estava em condições de acolhê-la. Meu inconsciente, há muito tempo, tinha preparado o terreno, mostrando-se à consciência, aqui e ali, por palavras, imagens, sonhos nos quais não prestara atenção. Até o dia em que, amadurecida para receber a nova verdade, podia percorrer o caminho que em poucos segundos levava a ela. Isso tinha acontecido em relação à minha violência, que só enxerguei no momento em que já podia suportá-la." [p.226]
"... Silêncio, porque o essencial está expresso." [p.229]
"Achava que as palavras podiam ser minhas aliadas ou minhas inimigas, mas que de qualquer forma eram estranhas para mim. Eram utensílios fabricados há muito tempo e colocados à minha disposição para me comunicar com os outros. (...) Os homens tinham inventado milhões de palavras... que exprimiam o universo em sua totalidade. Nunca tinha pensado nisso, nunca tinha dado conta de que toda mudança de palavras era um fato precioso, representava uma escolha. As palavras eram estojos, todas continham uma matéria vital.
"As palavras podiam ser veículos inofensivos, carrinhos elétricos de diversas cores que se trombavam na vida diária, soltando feixes de faíscas que não machucavam.
"As palavras podiam ser partículas vibráteis animando a existência ou células realizando fagocitose, ou glóbulos formando uma liga para engolir, com avidez, micróbios e rechaçar as invasões de corpos estranhos.
"As palavras podia ser feridas ou cicatrizes, podiam parecer um dente estragado num sorriso aberto.
"As palavras podiam ser também gigantes, rochas enfiadas profundamente na terra, sólidas, graças às quais era possível atravessar cachoeiras.
"Enfim, as palavras podiam ser monstros, os SS do inconsciente, detendo o pensamento dos vivos nas prisões do esquecimento." [p.231]
"... As palavras, esses estojos de vida, estão elas próprias contidas, quando escritas, nos estojos das letras. Cada tipo de caractere tem um estilo próprio que comunica à palavra que grafa e à matéria que está na palavra. Cada povo inventa caracteres com os quais se parece. Os alemães têm alfabetos pesados e enérgicos feitos para textos fortes, análises rigorosas. Os ingleses têm letras precisas e loucas, feitas para a liberdade bem calculada. Os americanos têm caracteres novos e tecnocráticos feitos e pensados por robôs. Os latinos têm caracteres bonitos feitos para a sutileza, o amor e as lágrimas..." [p.236]
Alguém já leu? Quer comentar? Há outro techo que despertou atenção? Que lhes parece? Se alguém ficar interessado, posso emprestar o exemplar que tenho. Mas a devolução é obrigatória.
quinta-feira, 5 de março de 2009
Abertura e apresentação da Sala
Por onde começar? Alguém tem alguma sugestão?
Tens um autor preferido? Um livro preferido? Vários autores? Vários livros?
Qual é tua/nossa capacidade de leitura? Quantos livros podemos ler ao longo de nossa vida? Um? Uns poucos? Vários? Muitos?
Para começar, pode-se dizer que a leitura é um hábito a ser desenvolvido. Mesmo que não o tenhamos adquirido em nossa infância, o hábito da leitura é como outro qualquer, depende de um pequeno esforço diário. Uma escolha. Uma escolha que pode nos trazer enorme alegria, uma escolha que normalmente nos coloca em contato com um mundo de belezas muito mais impressionantes do que jamais podemos perceber absorvidos na rotina de nossos dias. Quem tem muita resistência, pode começar dedicando não mais do que cinco minutos diários. Mas de forma decidida, honrando a decisão. Sem criar desculpas para não cumprir a tarefa. Logo, logo, com a escolha certa, vai se perceber querendo mais, dando mais. E, é claro, recebendo muito, muito mais.
É importante que busquemos começar com livros que tratem de assuntos que nos interessam e que, ao despertarem nossa curiosidade, prendam a atenção. Estes, sem dúvida, logo vão revelar aspectos desconhecidos de nós mesmos. Seja pela forma como foram escritos, seja pela riqueza de detalhes, se isso nos chama a atenção, seja pela nobreza de seus personagens, seja pela beleza das imagens que o texto evoca, seja porque tratam da "verdadeira" história de alguém que viveu, ou vive, neste mundo, como nas biografias, ou autobiografias, ou nos livros de história, ou de reportagens, ou de viagens. Enfim, às vezes basta uma frase para nos prender a um livro e nos fazer querer continuar a leitura sem interrupções - o que nem sempre é possível. Outras, é o comentário de alguém, que leu e gostou. Outras ainda, é a indicação de alguém cuja opinião nos é cara. E, em alguns casos, existe também a necessidade, para a atualização profissional, para se atender a um currículo de estudo, para se completar um curso, ou para se esgotar determinado assunto.
No meu caso, apenas para ilustrar, comecei a ler desde pequeno, acho que aos quatro ou cinco anos já estava alfabetizado. Mas, inicialmente, lia apenas aquelas coisas da escola, as lições, a "cartilha", da qual nem me lembro. Creio que a partir dos oito ou nove, até antes talvez, comecei a ler gibis - gosto de quadrinhos até hoje - e revistas de fotonovelas. Alguém lembra das revistas Capricho, Ilusão, Noturno, Grande Hotel, entre outras? Minha avó materna costumava ler e meus tios, mais velhos, compravam regularmente os títulos disponíveis nas bancas para ela. Pelo que me lembro, era seu único hobby, além do de escutar, nas madrugadas, desde muito antes das seis horas da manhã, as estações de rádio de São Paulo, que transmitiam programas com música sertaneja. Houve um tempo em que o rádio também transmitia as famosas radionovelas, que tinham uma audiência enorme. Houve também um período em que eu lia todos aqueles livrinhos, do tipo livro de bolso, com historinhas do Velho Oeste e de espionagem, além de uns poucos que faziam parte das exigências da escola. À época da faculdade, lia bastante por exigência do curso de Letras e, depois, houve também um tempo em que, ocupado com uma atividade comercial, lia apenas esporadicamente. De uns quinze anos para cá, porém, retomei o hábito com vontade. Para ler algo como dois ou três livros por mês. Às vezes mais, às vezes menos. Ainda a título de curiosidade, leio, há muitos anos, sempre mais de um livro ao mesmo tempo. Porque, dependendo de uma série de fatores, há sempre um que "casa" com o estado de espírito de um determinado momento e outro - ou outros - que podem ser abertos para atender a estados diferentes. Por exemplo, às vezes, o dia pede que leiamos uma poesia. Ou várias. De um mesmo autor. Ou não.
Às vezes, estamos mais "filosóficos", então é outro tipo de leitura que cabe. Outras, precisamos alegrar o espírito, vamos ler então textos mais leves, bem-humorados, irreverentes. E assim por diante.
Finalizando esta introdução, vou usar apenas uma citação de um grande pensador do passado, Erasmo [não o parceiro do Roberto], que revela sua paixão pelos livros na frase seguinte: "Quando consigo um pouquinho de dinheiro, compro livros; e se sobrar algum compro comida e roupas".
Tens um autor preferido? Um livro preferido? Vários autores? Vários livros?
Qual é tua/nossa capacidade de leitura? Quantos livros podemos ler ao longo de nossa vida? Um? Uns poucos? Vários? Muitos?
Para começar, pode-se dizer que a leitura é um hábito a ser desenvolvido. Mesmo que não o tenhamos adquirido em nossa infância, o hábito da leitura é como outro qualquer, depende de um pequeno esforço diário. Uma escolha. Uma escolha que pode nos trazer enorme alegria, uma escolha que normalmente nos coloca em contato com um mundo de belezas muito mais impressionantes do que jamais podemos perceber absorvidos na rotina de nossos dias. Quem tem muita resistência, pode começar dedicando não mais do que cinco minutos diários. Mas de forma decidida, honrando a decisão. Sem criar desculpas para não cumprir a tarefa. Logo, logo, com a escolha certa, vai se perceber querendo mais, dando mais. E, é claro, recebendo muito, muito mais.
É importante que busquemos começar com livros que tratem de assuntos que nos interessam e que, ao despertarem nossa curiosidade, prendam a atenção. Estes, sem dúvida, logo vão revelar aspectos desconhecidos de nós mesmos. Seja pela forma como foram escritos, seja pela riqueza de detalhes, se isso nos chama a atenção, seja pela nobreza de seus personagens, seja pela beleza das imagens que o texto evoca, seja porque tratam da "verdadeira" história de alguém que viveu, ou vive, neste mundo, como nas biografias, ou autobiografias, ou nos livros de história, ou de reportagens, ou de viagens. Enfim, às vezes basta uma frase para nos prender a um livro e nos fazer querer continuar a leitura sem interrupções - o que nem sempre é possível. Outras, é o comentário de alguém, que leu e gostou. Outras ainda, é a indicação de alguém cuja opinião nos é cara. E, em alguns casos, existe também a necessidade, para a atualização profissional, para se atender a um currículo de estudo, para se completar um curso, ou para se esgotar determinado assunto.
No meu caso, apenas para ilustrar, comecei a ler desde pequeno, acho que aos quatro ou cinco anos já estava alfabetizado. Mas, inicialmente, lia apenas aquelas coisas da escola, as lições, a "cartilha", da qual nem me lembro. Creio que a partir dos oito ou nove, até antes talvez, comecei a ler gibis - gosto de quadrinhos até hoje - e revistas de fotonovelas. Alguém lembra das revistas Capricho, Ilusão, Noturno, Grande Hotel, entre outras? Minha avó materna costumava ler e meus tios, mais velhos, compravam regularmente os títulos disponíveis nas bancas para ela. Pelo que me lembro, era seu único hobby, além do de escutar, nas madrugadas, desde muito antes das seis horas da manhã, as estações de rádio de São Paulo, que transmitiam programas com música sertaneja. Houve um tempo em que o rádio também transmitia as famosas radionovelas, que tinham uma audiência enorme. Houve também um período em que eu lia todos aqueles livrinhos, do tipo livro de bolso, com historinhas do Velho Oeste e de espionagem, além de uns poucos que faziam parte das exigências da escola. À época da faculdade, lia bastante por exigência do curso de Letras e, depois, houve também um tempo em que, ocupado com uma atividade comercial, lia apenas esporadicamente. De uns quinze anos para cá, porém, retomei o hábito com vontade. Para ler algo como dois ou três livros por mês. Às vezes mais, às vezes menos. Ainda a título de curiosidade, leio, há muitos anos, sempre mais de um livro ao mesmo tempo. Porque, dependendo de uma série de fatores, há sempre um que "casa" com o estado de espírito de um determinado momento e outro - ou outros - que podem ser abertos para atender a estados diferentes. Por exemplo, às vezes, o dia pede que leiamos uma poesia. Ou várias. De um mesmo autor. Ou não.
Às vezes, estamos mais "filosóficos", então é outro tipo de leitura que cabe. Outras, precisamos alegrar o espírito, vamos ler então textos mais leves, bem-humorados, irreverentes. E assim por diante.
Finalizando esta introdução, vou usar apenas uma citação de um grande pensador do passado, Erasmo [não o parceiro do Roberto], que revela sua paixão pelos livros na frase seguinte: "Quando consigo um pouquinho de dinheiro, compro livros; e se sobrar algum compro comida e roupas".
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