Eu não poderia dar continuidade a meus comentários neste espaço, sem falar, de dois livros muito interessantes, em meu modo de ver, para quem gosta de ler e de livros. E para quem quer que deseje aprender a gostar cada vez mais de ler e de livros. É claro que falar destes dois livros é apenas uma escolha aleatória minha e que eles podem não despertar o mesmo interesse que despertaram em mim em nenhuma das pessoas que me leem.
O primeiro deles, Como um Romance, é de Daniel Pennac, autor francês que publicou seu primeiro livro em 1973. Como um Romance é "um ensaio delicioso sobre a leitura, 'esse ato íntimo, alquimia privilegiada e misteriosa entre autor e leitor'". Na primeira orelha do livro, o editor diz que Daniel Pennac, "do alto de sua experiência de professor, embalado num estilo a um só tempo irônico e poético... investiga as chaves para o mundo da leitura, esse desconhecido de um número expressivo de possíveis leitores". Na segunda, revela que o autor, "lendo para seus alunos, fez com que eles percebessem que Dostoievski, Tolstoi, Calvino, Gabriel Garcia Marquez, John Fante, todos, qualquer que seja a forma por eles escolhida, as palavras que utilizaram, contam uma história. Para entendê-la, basta voltar ao despudor da primeira infância de querer tudo descobrir, tudo ouvir".
Um excerto:
O verbo ler não suporta o imperativo. Aversão que partilha com alguns outros: o verbo amar... o verbo "sonhar"... Bem, é sempre possível, é claro. Vamos lá: "Me ame!" "Sonhe!" "Leia!" "Leia logo, que diabo, eu estou mandando você ler!"
- Vá para o seu quarto e leia!
Resultado?
Nulo.
Ele dormiu em cima do livro. A janela, de repente, lhe pareceu imensamente aberta sobre uma coisa qualquer tentadora. Foi por ali que ele decolou. Para escapar ao livro. Mas é um sono vigilante: o livro continua aberto diante dele. E no pouco que abrimos a porta de seu quarto, nós o encontramos sentado junto à escrivanhinha, seriamente ocupado em ler. Mesmo se nos aproximamos na ponta dos pés, da superfície de seu sono ele nos terá escutado chegar.
- Então, está gostando?
Ele não vai nos responder que não, isto seria um crime de lesa-majestade. O livro é sagrado, como é possível não gostar de ler? Não, ele vai dizer que as descrições são longas demais.
Tranquilizados, voltamos ao nosso aparelho de televisão. E é até possível que esta reflexão suscite um apaixonante debate entre nós e os outros como nós...
- Ele acha as descrições longas demais. É preciso entender, estamos no século do audiovisual, evidentemente os romancistas do século dezenove tinham que descrever tudo...
- Mas isto não é razão para pular a metade das páginas.
Não vamos nos cansar, ele voltou a dormir.
Há ainda que destacar o estabelecimento por Pennac dos 10 direitos imprescritíveis do leitor, fixados e explicados em títulos de subcapítulos na parte final do livro. São eles: 1) O direito de não ler. 2) O direito de pular páginas. 3) O direito de não terminar um livro. 4) O direito de reler. 5) O direito de ler qualquer coisa. 6) O direito ao bovarismo (doença textualmente transmissível). 7) O direito de ler em qualquer lugar. 8) O direito de ler uma frase aqui e outra ali. 9) O direito de ler em voz alta. 10) O direito de calar.
O segundo livro se chama Ex-Libris - Confissões de uma Leitora Comum e foi escrito por Anne Fadiman. Mas, para que esta postagem não fique muito longa, não se torne cansativa e desinteressante, vou falar dele noutra ocasião.
segunda-feira, 30 de março de 2009
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Este sítio foi-me indicado pela Welvitichia. Gostei e vou voltar. Não deixo ouro incenso ou mirra, apenas um pequeno texto de um escritor da minha afeição
ResponderExcluirQuando foi que demorei os olhos
sobre os seios nascendo debaixo das blusas,
das raparigas que vinham, à tarde, brincar comigo?...
... Como nasci poeta,
devia ter sido muito antes que as mães se apercebessem disso
e fizessem mais largas as blusas para as suas meninas.
Quando, não sei ao certo.
Mas a história dos peitos, debaixo das blusas,
foi um grande mistério.
Tão grande que eu corria até ao cansaço.
E jogava pedradas a coisas impossíveis de tocar,
como sejam os pássaros quando passam voando.
E desafiava, sem razão aparente,
rapazes muito mais velhos e fortes!
E uma vez, de cima de um telhado,
joguei uma pedrada tão certeira,
que levou o chapéu do senhor administrador!
Em toda a vila, se falou, logo, num caso de política;
o senhor administrador mandou vir, da cidade, uma pistola,
que mostrava, nos cafés, a quem a queria ver;
e os do partido contrário, deixaram crescer o musgo nos telhados
com medo daquela raiva de tiros para o céu...
Tal era o mistério dos seios nascendo debaixo das blusas!
(Manuel da Fonseca)
Olá, Alex. Mello-Alter,
ResponderExcluirobrigado por teu comentário e por tua contribuição. Gostei muito do texto de Manuel Fonseca. Espero que os leitores deste blogue também o apreciem.
Vou esperar que voltes.
Até já.