terça-feira, 31 de março de 2009

"Uma declaração de amor aos livros"

Conforme o prometido antes, estou de volta para falar do livro Ex-Libris - Confissões de uma leitora comum, de Anne Fadiman, o segundo imperdível, em cuja capa lê-se: "uma declaração de amor aos livros". Mais ou menos o que gostaria de que este espaço/blogue se tornasse. Menos por interesse em um sucesso estrondoso para ele [o que não seria mau], ou para influenciar leitores ou lhes receitar leituras. Mas muito mais para permitir que leitores, e leitoras, comuns possam manifestar suas preferências, possam falar de suas relações com os livros que amam e que guardam em suas casas ou em seus corações e mentes apenas porque lhes revelaram mais de si mesmos(as), das pessoas e do mundo em que vivem e vivemos todos.

E é isso exatamente que me despertou o interesse pelo livro de Anne. Na primeira orelha, o editor traz as perguntas: "você dobra as páginas dos livros para marcar onde parou a leitura? Quais livros leva para a cama? Dedicatórias esquecidas em um livro usado provocam em você uma emoção especial?" E diz mais, que " a relação de um leitor com um livro pode ser tão íntima, complexa e delicada quanto entre duas pessoas. Para a autora destes deliciosos ensaios [são dezoito, e se deixam ler saborosamente], assim como para muitos leitores inveterados e apaixonados, seus livros preferidos tornaram-se capítulos de sua história pessoal. Neles estão anotações, lágrimas, cheiros e vincos que recontam momentos e lugares passados".

Mas vamos dar espaço para Anne nos falar um pouco do que o livro reserva para nós. Vou citar um trecho do prefácio dela:

Quando o romancista irlandês John McGahern era criança, suas irmãs desamarraram e retiraram um de seus sapatos enquanto ele lia. Ele não se mexeu. Colocaram um chapéu de palha em sua cabeça. Nenhuma reação. Só quando tiraram a cadeira de madeira na qual estava sentado foi que, como ele diz, "acordou do livro".

"Acordar" é o verbo correto, porque existe um certo tipo de criança [
e eu diria que de adulto também] que acorda de um livro como de um sono profundo, nadando através de camadas de consciência em direção a uma realidade que parece menos real do que o estado de sonho que ficou para trás. Eu fui esse tipo de criança. Depois, na adolescência, influenciada por Hardy [Thomas], não conseguia me apaixonar por um garoto sem classificá-lo como Damon ou Clyn. Mais tarde ainda, dormia com meu marido (um Clyn) numa cama cheia de livros, esperando que a chegada de nosso primeiro filho se parecesse com a cena do nascimento de Kitty em Anna Karenina, mas temendo que pudesse se assemelhar mais ao parto da senhora Thinguimmy em Oliver Twist.

Comecei a escrever Ex-Libris quando me ocorreu ser curioso que se escreva sobre livros quase sempre como se fossem torradeiras. Esta marca é melhor do que aquela? Por 24 dólares e 95 centavos, esta torradeira é um bom negócio? Não há nada sobre como poderei me sentir a respeito de minha torradeira daqui a dez anos, e nada sobre o carinho que ainda posso nutrir pela antiga. Esse modelo de leitor como consumidor - que eu mesma já incentivei em muitas críticas de livro - omite com precisão o que considero a alma da leitura: não é se desejamos comprar um livro novo, mas como mantemos a ligação com os velhos, aqueles com os quais convivemos há anos, cuja textura, cor e cheiro se tornaram tão familiares para nós como a pele de nossos filhos.

Em The Common Reader [O Leitor Comum], Virginia Woolf (que tomou o título de uma frase de Samuel Johnson em Life of Gray [A Vida de Gray]) escreveu sobre "todas essas salas, modestas demais para serem chamadas de bibliotecas, embora cheias de livros, onde a atividade da leitura é exercida por particulares". O leitor comum, diz ela, "difere do crítico e do acadêmico. É menos educado, e a natureza não o dotou muito generosamente. Lê mais por um prazer próprio do que para transmitir conhecimentos ou corrigir a opinião dos outros. Acima de tudo, é guiado por um instinto de criar para si mesmo algum tipo de totalidade, a partir de qualquer miscelânea que encontre". Este livro é a totalidade que tentei criar em cima da quantidade de miscelâneas que povoa minhas estantes abarrotadas.


E por aí vai... Espero que isto seja suficiente para lhes dar uma ideia do que falo e daquilo de que Ex-Libris trata. Apenas para ilustrar, a impressão que tive de sua leitura foi a de que este livro era o instrumento perfeito para eu mostrar a minha mulher, a fim de que ela tivesse um pálida noção de como me sinto com relação aos livros. Porque ela muitas vezes reclama da quantidade de livros espalhados pela casa ou fora de seu lugar nas estantes. Agora menos.

3 comentários:

  1. Também eu tenho feito algumas reflexões sobre os livros, o gosto pela leitura, o que é isto de gostar de livros, etc.
    Gosta-se de livros pelo objecto?Pelo aspecto? Pelo estatuto associado? Pelo conteúdo? Não se gosta do objecto (livro), mas aprecia-se pelo conhecimento que transmite? Gosta-se apenas de alguns livros ou de todos? O gosto é pela leitura ou pelos livros?
    Poderia enumerar muitas outras questões associadas a estas, afinal isto de ler e de livros não tem a ver com uma grande curiosidade que nasce conosco? Por mim gosto de livros e de ler em qualquer lado, mesmo onde é menos provavel que se leia. Preciso de ler para ser inteira.

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  2. É verdade, Welvitichia, ler, mais do que curiosidade, para mim, passou a ser uma necessidade. Algo sem o que parece-me que falta alguma coisa em meu dia. E não basta a leitura ou leituras que faço na internet, de mensagens, blogues e outras coisas. Tenho de ler um livro mesmo, seja ele qual for o da vez. Não te soa estranho, esta pergunta vale para quem quer me leia neste espaço, a pessoa ou algumas pessoas dizerem que não gostam de ler?
    Obrigado por compartilhar.

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  3. Pois dizer não gostar de ler é o mesmo que dizer não gostar de matemática. As pessoas pensam que não gostam, mas ela está em tudo, como se pode não gostar de algo que contém tudo, ou que está em tudo? O que falta é o hábito, e o que inibe o gosto, é pensar que implica esforço.
    Há pessoas que ficam derrotadas só com a ideia de ter que esforçar o cérebro, o que não é totalmete verdade, há livros que ao contrário de nos exercitarem, servem é para relaxar. Pessoalmente, depois de ler uma obra obra muito densa gosto sempre de fazer uma leituar mais light,para desanuviar.E no intervalo entre leituras muitas vezes leio um livrinho policial, que me dá um prazer enorme.

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Caros, caras, os comentários às postagens são bem-vindos. Apenas lhes peço a paciência de me permitirem revisar a pertinência do comentário com a postagem e a ortografia. Agradeço por sugestões de leituras, perguntas e informações que enriqueçam a Sala. Obrigado.