segunda-feira, 29 de junho de 2009

Mais algumas leituras

E olha o fim de junho aí. Já nem falo mais no livro do Hatoum. Emperrou. Estancou. Alguém se habilita a informar o que leu nestes últimos trinta dias? Desconfio que esta Sala de Leitura tem estado vazia. Ou porque já não encontramos quem goste de ler, ou porque os poucos que leem já não querem dividir os prazeres a que foram alçados a partir do que leram. Querem manter o segredo de sua relação com o autor ou autora com quem viajaram. Ou viajam ainda.

Não há de ser nada. Aqui, com relação a isso, eu não tenho nada a esconder. Li muito desde a última postagens. Coisas que folheei aqui e ali. Entre elas, um livro de Irvin D. Yalom, o autor de Quando Nietzsche Chorou, chamado Os desafios da terapia. Muito interessante, tanto para pacientes e interessados, quanto para quem se dedica ao trabalho com pessoas, buscando lhes ser de auxílio na auto-descoberta e, quando é o caso, na cura dos males que nos afligem a todos algumas vezes.

Também li alguns contos de Guimarães Rosa. Uns com um grupo de leitura que se reúne às quartas no IEB - Instituto de Estudos Brasileiros, na USP, aberto a interessados. Outros, um em particular, Páramo, por indicação de uma amiga que participa deste grupo. Vale a pena citar o que Rosa diz já no início do conto:

Sei, irmãos, que todos já existimos, antes, neste ou em diferentes lugares, e que o que cumprimos agora, entre o primeiro choro e o último suspiro, não seria mais que o equivalente de um dia comum, senão que ainda menos, ponto e instante efêmeros na cadeia movente: todo homem ressuscita ao primeiro dia.

E um pouco adiante: Só este é o grande suplício: ainda não ser.

Li ainda dois livros de Mia Couto, grande escritor moçambicano de língua portuguesa. O primeiro, um livro de contos intitulado O fio das missangas, traz verdadeiros achados. Tanto no que se refere à linguagem, quanto no que se refere à profundidade das ideias que oferece. Alguns exemplos soltos:

"falar é fácil. Custa é aprender a calar."

"Minha sabedoria é ignorar as minhas originais certezas. O que interessa não é a língua materna, mas aquela que falamos mesmo antes de nascer."

"Uns aprendem a andar. Outros aprendem a cair. Conforme o chão de um é feito para o futuro e o de outro é rabiscado para sobrevivência."

"... criancice é como o amor, não se desempenha sozinha. Faltava aos pais serem filhos, juntarem-se miúdos com o miúdo. Faltava aceitarem despir a idade, desobedecer ao tempo, esquivar-se do corpo e do juízo. Esse é o milagre que um filho oferece - nascermos em outras vidas."

O segundo, um romance que leva o título Terra Sonâmbula e trata da guerra anticolonial e civil com que conviveu o povo moçambicano por quase trinta anos. Talvez o livro mais importante da carreira de Mia Couto. O mais forte e mais pungente ao relatar, de acordo com a primeira orelha do livro, com "um meticuloso trabalho de lapidação poética ... as mitologias tribais e os casos que circulam de boca em boca pelos meandros da cultura oral africana, bastião de resistência num país como Moçambique..." Imperdível!

E, para não esquecer e não deixar passar em branco, li também um livro de memórias de uma escritora chamada A. M. Homes, cujo título é A encomenda. A autora, filha adotada ainda bebê, narra sua intensa busca por informações acerca de sua família biológica [há também a busca de dados da família que a adotou], ao receber a informação reveladora de quem eram seus pais. Um relato extremamente honesto e claro, e muito bem escrito, pontuado pelos conflito psicológico e pelos conflitos pessoais e de relacionamento familiar que a descoberta gerou. Tanto com a família que recebeu "a encomenda" quanto com as pessoas que deveriam ter sido sua família ao nascer.

Por fim, quero dar as boas vindas a nossa nova seguidora, a Silvina 0707, apesar de achar que ela entrou nesta sala por engano, em busca de milagres. Quem sabe alguma de nossas leituras pode lhe dar o que ela busca. Bem vinda, Silvina. Espero que você curta. E que contribua, pois não?

3 comentários:

  1. Talvez nem sempre o “melhor trabalho” de um autor, aquele trabalho consagrado pela crítica, por premiação e por especialistas, seja o melhor ponto de partida para conhecer sua obra. Sem aparente relação com o que foi postado pelo Moisés, eu queria somente dar um testemunho de quem começou pelo “torto” para chegar ao “reto” - ou começou pelo menos noto para chegar ao premiado.
    Há anos tenho um livro de José Saramago, Levantado do Chão, adquirido numa banca de livros na USP – ele foi folheado, manuseado, mas nunca lido (ai, o medo da letra miúda, da linguagem que exige empenho). Ficou ali à espera de um momento adequado que, coitado, nunca chegou. No início deste ano, peguei emprestado de um amigo o trabalho mais recente do escritor português, A Viagem do Elefante. Foi o primeiro livro de Saramago que li. Me apaixonei! Apesar da simpatia da crítica, sei que este último não está entre as suas obras mais importantes, e talvez nem retrate a essência de seu estilo. Mas garanto a quem nunca leu Saramago que trata-se de um ótimo começo, divertido, rico, delicado, uma delícia! Agora, já recoloquei em fila o Levantado do Chão, além de ter comprado também um exemplar de Memorial do Convento.
    O mesmo aconteceu com Mia Couto, citado pelo Moisés. Há alguns meses escolhi O último voo do Flamingo, único exemplar deste autor moçambicano numa prateleira de livraria. Não é de suas obras mais badaladas, mas me surpreendeu. Li a primeira página duas vezes, depois a li em voz alta, na mesa do almoço em família, de tão maravilhada que fiquei com a ironia, com a surpresa e com as cores africanas. Resultado: há mais 3 livros (dentre os premiados) de Mia Couto espalhados pela casa. E uma vontade sempre crescente de visitar os países lusófonos africanos, para conferir com outros ‘óculos’ essa terra que também fala o português.
    E viva os autores de língua portuguesa! Vida longa e profícua a eles!

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  2. Olá, Erika, bem vinda à Sala de Leitura.

    Obrigado por seu comentário e por sua contribuição. Espero que possamos estabelecer uma troca enriquecedora para nosso deleite e para o de todos os que visitam esta página. Fique à vontade, por favor.

    Quanto ao Mia Couto, posso dizer que fiquei apaixonado por sua escritura desde o primeiro livro dele que li, "Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra", que talvez não esteja entre os mais conhecidos, mas que, sem dúvida, já nos deixa perplexos e cheios de curiosidade desde o título. Também li dele recentemente "Terra Sonâmbula", que é considerado sua obra-prima. Maravilhoso. E um livro de contos intitulado "O fio das missangas". Simplesmente deslumbrante. Tanto pelos contos, quanto pela linguagem.

    Já do Saramago não li muito mais do que o "Ensaio sobre a Cegueira", de que gostei muito, e seu discurso de agradecimento por ocasião do recebimento do Prêmio Nobel, no qual ele faz uma visita a toda a sua obra anterior de maneira muito interessante e poética. Mas preciso, e vou, revisitá-lo hora dessas.

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  3. Do sujeito sobre si mesmo
    José Saramago

    "Como escritor, creio não me ter separado jamais da minha consciência de cidadão. Considero que aonde vai um, deverá ir o outro. Não recordo ter escrito uma só palavra que estivesse em contradição com as convicções políticas que defendo, mas isso não significa que tenha posto alguma vez a literatura ao serviço directo da ideologia que é a minha. Quer dizer, isso sim, que ao escrever procuro, em cada palavra, exprimir a totalidade do homem que sou.
    Repito: não separo a condição de escritor da do cidadão, mas não confundo a condição de escritor com a do militante político. É certo que as pessoas me conhecem mais como escritor, mas também há aquelas que, com independência da maior ou menor relevância que reconheçam nas obras que escrevo, pensem que o que digo como cidadão comum lhes interessa e lhes importa. Ainda que seja o escritor, e só ele, quem leva aos ombros a responsabilidade de ser essa voz.
    O escritor, se é pessoa do seu tempo, se não ficou ancorado no passado, há-de conhecer os problemas do tempo que lhe calhou viver. E que problemas são esses hoje? Que não estamos num mundo aceitável, bem pelo contrário, vivemos num mundo que está a ir de mal a pior e que humanamente não serve. Atenção, porém: que não se confunda o que reclamo com qualquer tipo de expressão moralizante, com uma literatura que viesse dizer às pessoas como deveriam comportar-se. Estou a falar doutra coisa, da necessidade de conteúdos éticos sem nenhum traço de demagogia. E, condição fundamental, que não se separasse nunca da exigência de um ponto de vista crítico."

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Caros, caras, os comentários às postagens são bem-vindos. Apenas lhes peço a paciência de me permitirem revisar a pertinência do comentário com a postagem e a ortografia. Agradeço por sugestões de leituras, perguntas e informações que enriqueçam a Sala. Obrigado.