Pois vejam só como são as coisas. Não queria que o mês de maio acabasse sem lhes poder dizer que li o livro de Milton Hatoum. Aquele sugerido para a leitura de março. Hum... quem disse quê? Pois é, não li. Sequer o peguei para. Tenho-o a minha frente, aqui. Uma capa muito bonita, uma foto de Hilton Ribeiro, mas o fato é que não o li. Continua adiado o prazer.
Que apelo têm certos livros que, uma vez iniciada a leitura, não nos deixam soltá-los enquanto não virarmos a última página. O que nos leva a abrir um livro, assim meio que ao acaso, e a nos deixarmos capturar por seu clima, por sua linguagem, pela história em que ele nos envolve e que nos transporta a outros mundos, a outros tempos? Às vezes ao mais profundo de nós mesmos, sem sequer um aviso prévio.
E, outras vezes, um livro nos pega assim de surpresa, vindo de algum lugar ou de um tempo de que já não nos lembrávamos mais. Um espaço esquecido em nossa memória. E, de súbito, ele se apresenta e já não podemos fugir a seu convite, ao apelo que ele nos faz de que lhe dediquemos um pouquinho de nosso tempo. E basta abrir suas páginas para nos tornarmos prisioneiros. Para que o mundo novo que ele oferece se descortine aos nossos olhos e sentidos.
Aconteceu agora comigo. Ao folhear um caderno de anotações lá de 2003, descobri uma referência a um livro. A anotação trazia apenas um título em Inglês: A fortune-teller told me. Na ocasião em que anotei não tinha conseguido descobrir nada a seu respeito. Quem me falou do livro foi uma amiga, que nem ao menos lembrava do nome do autor. Hoje, isso já faz alguns dias, vai-se ao Google. Digitei lá no espaço de busca: "A fortune-teller told me" e pronto! Milhares de páginas a respeito.
Tiziano Terzani, um jornalista italiano, é o autor. O livro, no original em Italiano, se chama Un indovino mi disse. Foi traduzido e publicado em Português, em 1995, pela editora Globo, com o título Um Adivinho me Disse. Traz ainda o subtítulo Viagens pelo misticismo do Oriente. Feito isso, toca conseguir o livro. Onde? Na Internet, é claro. Uma busca rápida num site que reúne cerca de 1.500 sebos do Brasil, o http://www.estantevirtual.com.br/, que recomendo, e encontro a melhor opção. Um exemplar em bom estado por vinte reais, frete incluso. Poucos dias depois o livro bate a minha porta.
Abro-o e descubro que seu ponto de partida é a orientação de um adivinho, feita em 1976, para que o autor não andasse de avião em 1993, ano em que correria grande risco de morrer, caso o fizesse. Para um jornalista, correspondente na Ásia da conhecida revista alemã Der Spiegel, a ideia de se deslocar pelo continente, fazendo a cobertura de acontecimentos dignos de registro ou mesmo a busca de fatos inéditos para publicação, não poder contar com a possibilidade de um transporte rápido e eficiente como o avião, parecia ser uma impossibilidade e uma enorme limitação.
É claro que ainda não acabei a leitura, mas já posso recomendá-lo, sem sombra de dúvida, pois o que Tiziano faz, e nos conta de forma saborosa, ao renunciar aos aviões é redescobrir a força do misticismo no Oriente. E, conforme nos diz a última capa do livro, "saboreando a lentidão das viagens via terra e mar, [investigar] a outra face daquela sociedade tecnológica e consumista que hoje parece tão fascinada com o futuro". Deste modo, "seu relato, povoado de magos e poderes ocultos, serve também de advertência para uma civilização que está se suicidando ao perseguir um modelo cultural que não é o seu".
Dando voz a Tiziano, vamos ouvir um pouco do que ele nos diz logo no primeiro capítulo do livro, após a tomada de decisão de seguir o conselho do adivinho e passar um ano inteiro sem se valer do avião como meio de transporte.
Foi uma esplêndida decisão, e o ano de 1993 acabou por ser um dos mais extraordinários que já passei: devia morrer e renasci. Aquela que parecia uma maldição revelou-se uma verdadeira bênção.
(...)
Deslocar-me não foi mais questão de horas, mas de dias, de semanas. Para não cometer erros, antes de me pôr a viajar, tinha de olhar bem os mapas, de reestudar a geografia. As montanhas voltaram a ser possíveis obstáculos ao meu caminho, e não mais belos, irrelevantes refinamentos em uma paisagem vista da janela.
Viajar de trem ou em navio por grandes distâncias, deu-me novamente o sentido da vastidão do mundo, e sobretudo me fez redescobrir toda uma parte da humanidade, a mais numerosa, aquela de cuja existência as pessoas, pelo hábito de voar, quase se esquecem: a humanidade que se desloca carregada de volumes e de crianças, aquela da qual os aviões e tudo mais passam, em todos os sentidos, por cima da cabeça.
Impor-me não voar virou um jogo cheio de surpresas. Quando alguém finge, por algum tempo, ser cego, descobre que, para compensar a falta de visão, todos os outros sentidos se afinam. A renúncia aos aviões tem um efeito semelhante: o trem, com suas comodidades de tempo e descomodidades de espaço, faz renascer a desusada curiosidade pelos particulares, apura a atenção por aquilo que se vê em torno, por aquilo que escorre fora da janela. Nos aviões logo se aprende a não olhar, a não escutar. A gente que se encontra é sempre a mesma, as conversas que surgem são previsíveis. Em trinta anos de vôos acho que não me recordo de ninguém. Nos trens, ao menos nos da Ásia, não! A humanidade com a qual compartilhamos os dias, as refeições e o tédio não se poderia encontrar de outro modo, e certos personagens permanecem inesquecíveis.
Tão logo decidimos deixá-los de lado, percebemos quanto os aviões impõem uma limitada percepção da existência. E quanto sendo um cômodo redutor de distâncias, acabam por reduzir tudo - inclusive a compreensão do mundo. Deixa-se Roma ao pôr-do-sol, janta-se, dorme-se um pouco, e ao amanhecer já se está na Índia. Mas um país é também toda a sua diversidade, e a pessoa precisa realmente ter tempo para se preparar para o encontro, precisa sofrer cansaço para gozar a conquista. Tudo ficou tão fácil hoje que não se prova mais prazer por nada. Entender algo é uma alegria, mas somente se há esforço. Assim também com os países. Ler um guia, saltando de um aeroporto a outro, não equivale à lenta, fatigante aquisição - por osmose - dos humores da terra, à qual, com o trem, fica-se ligado.
E por aí vai... Tenho certeza de que quem se aventurar vai gostar.
quinta-feira, 28 de maio de 2009
terça-feira, 5 de maio de 2009
Onde fica a felicidade?
E acabou abril também. Nem li o livro do Hautom que sugeri como leitura para março, tampouco voltei a O Leitor, como havia dito que faria. Mas há uma razão para tanto. Para dizer o que eu queria, precisava ter o livro [O Leitor] em mãos. E minha mulher o levou em uma viagem, emprestou-o à irmã, e não o trouxe de volta.
Entretanto, tenho anotado um trecho. Trata de algumas perguntas que o personagem principal do livro faz de si para si [e, por consequência, para quem o lê, é claro], a respeito das quais acho que vale a pena dedicar um momento de reflexão. Reproduzo-o abaixo.
"Será porque aquilo que foi belo se torna frágil para nós em retrospectiva, por esconder verdades sombrias? Por que a lembrança de anos felizes de casamento se estraga quando se revela que o outro tinha um amante durante todos aqueles anos? Será porque não se pode ser feliz em tal situação? Mas a pessoa era feliz! Às vezes a lembrança não é fiel à felicidade quando o fim foi doloroso. Será porque a felicidade só vale quando permanece para sempre? Será porque só pode terminar dolorosamente o que foi doloroso de modo inconsciente e invisível? Mas o que é uma dor inconsciente e invisível?" [pp. 45-6]
Vocês não acham que vale a pena pensar acerca desta questões? Já lhes ocorreu algo parecido? Têm exemplos pessoais? Ou conhecem pessoas que pensem de modo parecido?
Comentem, por favor. À vontade.
Entretanto, tenho anotado um trecho. Trata de algumas perguntas que o personagem principal do livro faz de si para si [e, por consequência, para quem o lê, é claro], a respeito das quais acho que vale a pena dedicar um momento de reflexão. Reproduzo-o abaixo.
"Será porque aquilo que foi belo se torna frágil para nós em retrospectiva, por esconder verdades sombrias? Por que a lembrança de anos felizes de casamento se estraga quando se revela que o outro tinha um amante durante todos aqueles anos? Será porque não se pode ser feliz em tal situação? Mas a pessoa era feliz! Às vezes a lembrança não é fiel à felicidade quando o fim foi doloroso. Será porque a felicidade só vale quando permanece para sempre? Será porque só pode terminar dolorosamente o que foi doloroso de modo inconsciente e invisível? Mas o que é uma dor inconsciente e invisível?" [pp. 45-6]
Vocês não acham que vale a pena pensar acerca desta questões? Já lhes ocorreu algo parecido? Têm exemplos pessoais? Ou conhecem pessoas que pensem de modo parecido?
Comentem, por favor. À vontade.
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